quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Rota de fuga ao telhado, uma lição do furacão Harvey



Os desastres deixam lições. Pelo menos por enquanto. Talvez o Homem atinja tal nível de sapiência que não mais lições a aprender. Será?

Por enquanto os desastres deixam lições. O Katrina deixou. O Sandy deixou. E uma lição do Furacão Harvey pode ser obtida do uso de recomendação de que os ilhados, que tem casas invadidas pelas águas, devem ficar no telhado para se fazerem visíveis. Pessoas que nunca imaginaram ser possível ficarem ilhadas se viram nesta situação.

Há doze anos atrás mais de 1800 pessoas morreram em Nova Orleans com a passagem do furacão Katrina. A maior parte delas presas em sótãos, sem acesso ao telhado. Não havia modernos meios de comunicação disponíveis funcionando. Celulares não conseguiam linha. Não podiam ter suas baterias recarregadas pela falta de energia nas linhas de energia. Telefones fixos inutilizados pela água.

Não é fácil subir ao telhado se não houver condições favoráveis. E condições favoráveis são diferentes para diferentes indivíduos. Para um indivíduo alpinista e nadador uma corda amarrada pode ser tudo o necessário. Para um típico indivíduo de faixa dos setenta a oitenta anos, sem prática atlética, sedentário ou que realize atividades de baixa demanda de esforço, subir ao telhado pode ser muito mais desafiante e exigir outras condições mais favoráveis. Pense numa pessoa com alguma dificuldade para a realização de atividades de vida diária, situação que acomete um percentual nada desprezível das pessoas com mais de setenta anos. Subir ao telhado exige condições compatíveis com suas  deficiências.

Uma rota de fuga é bom que esteja construída em uma casa em área, por critérios técnicos, inundável. Uma escada com apoio até o fim do percurso é uma solução. E funciona numa comunidade se, em geral, for uma exigência legalmente determinada, com parâmetros exigidos condizentes com uma rota de fuga ao telhado eficiente e eficaz.

A legislação deve conter, também, exigências para que esta rota de fuga seja mantida em condições de uso. Com acesso a ela permanentemente desobstruído. Ela mesma permanentemente desobstruída. Isto envolve a proibição de ser usada, mesmo temporariamente, como local de estocagem de material.

E façamos votos que rotas de fuga ao telhado nunca tenham de ser usadas.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

As capacidades de Adaptação ao Aquecimento Global: Países de Língua Portuguesa

Esta postagem dá continuidade a comparações entre países sobre a capacidade de Adaptação ao Aquecimento Global sob o ângulo da capacidade efetivamente exercida de crescimento do produto per capita. Utilizando o banco de dados sobre produto per capita dos países disponibilizado pelo Banco Mundial para acesso público foram primeiramente comparados os cinco maiores países do mundo. Para cada país comparado tomou-se o produto per capita relativo análogo mundial em dólares do ano, em termos de paridade de poder de compra, ou seja, dividiu-se o produto per capita do país pelo produto per capita mundial (1).

Os dados utilizados foram do ano de 1990 e de um quarto de século após, do ano de 2015. O Canadá, o Brasil e os Estados Unidos se distinguiram por capacidade de Adaptação abaixo da média, segundo o indicador "taxa de crescimento do GDP per capita (2). Entre 1990 e 2015 o produto per capita canadense cresceu -1,08% ao ano e o brasileiro -0,85% ao ano.

Do ponto de vista do que indica a GDP per capita ambos, os dois menos bem posicionados, o Canadá e o Brasil, estão mal situados quanto à capacidade de desviar recursos do uso corrente para financiar  atividades dirigidas à Adaptação. Mas há uma diferença entre a terra da Rainha e a República verde amarela. Com o Aquecimento o Canadá, pelo recuo do permafrost ganha terra agricultável. O Brasil vai vendo a aridização reduzir a área agricultável nas latitudes próximas à linha equatorial, latitudes de até 15 graus de latitude Sul, onde se encontra a maior parte de seu território. Vai faltando recursos para o necessário grande esforço de Adaptação.

A situação do Brasil o colocou, entre os cinco maiores países do mundo, como o que está em situação mais crítica face à capacidade de Adaptação ao Aquecimento Global. Isto conduziu a uma curiosidade, sobre qual a situação relativa dos maiores países da América Latina. Foi encontrado, novamente, que o Brasil está na pior situação (3).

A comparação com pequenos grupos de países pode ser conduzida agora aos países de lingua portuguesa. Representam uma diversidade de situações e uma unidade de exposição a um mesmo poder colonial. Um poder colonial que deixou marcas até onde não exerceu o poder colonial, apenas instalara um entreposto comercial. Os turistas japoneses ao chegarem em Portugal se deparam com um prato nacional japonês, a tempura, que logo acreditam ter sido uma prova da capacidade imitativa portuguesa. Mas, ao invés, a tempura resulta da capacidade imitativa japonesa. É um prato nacional português desde o começo do milênio passado, séculos antes da chegada de portgueses ao arquipélago (4).

O efeito da colonização portuguesa se deu em muitos aspectos importantes na vida dos povos ocupados. Os portugueses se impuseram como uma matriz cultural em todos os povos por ele colonizados. Uma matriz reforçada, segundo o sociólogo Gilberto Freyre (5, 6), pela disposição portuguesa à miscigenação, esta absolutamente repelida pelos saxões. Do ponto de vista econômico o legado português foi estampado, entre outras características, em limitada capacidade de industrialização, derivada de sua condição de aliados dos ingleses. Era a quem competia representar os interesses ingleses na Europa Continental. No Brasil, foi imposta pelo ingleses, a quem os portugueses tinham que ceder para permanecer no jogo do jugo colonial. A presença de fatores históricos comuns confere substância à apreciação comparativa desses países de língua portuguesa. São incluidos na Tabela 1, abaixo, os países que têm o português como língua nacional e para os quais há dados de GDP per capita relativos a 1990 e 2015 no banco de dados disponibilizado pelo Banco Mundial (7).

Tabela 1  Taxa de crescimento do GDP per capita relativo dos Paises
               de Língua Portuguesa entre 1990-2015 e capacidade de
               Adaptação ao Aquecimento Global*

               País**                                         Taxa de crescimento
                                                                                  anual***

               Cabo Verde                                                   3,04
               Moçambique                                                 2,16
               Portugal                                                      - 0,54

               Angola                                                        - 0,77
               Brasil                                                          - 0,85
               Guiné Bissau                                               - 2,54

               Obs.:*    GDP per capita relativo= GDP per capita do país em Paridade de Poder de
                            Compra/GDP per capita mundial.
                       **  Países com português como língua nacional para os quais existem dados
                                     do GDPs per capita de 1990 e 2015 no banco de dados sobre CDP dos
                                     países disponibilizado pelo Banco Mundial.
                       ***Segundo a relação entre os GDPs per capita relativos ao mundial de 2015
                                     e de 1990.
 

Os dados sugerem que há países de lingua portuguesa indo bem, outros indo mal. Em brincadeira dizem uns brasileiros  que nosso problema foi nosso colonizador. Mas, os dados não lhes dão claro suporte. Há pontos de vista sob os quais Cabo Verde e Moçambique vão muito bem, obrigado. Vão se saindo melhor do que o colonizador, na era da economia digital e suas implicações na configurações da economia globalizada. Os que vão se saindo mal, procurem seus motivos.

O brilhante desempenho em termos de GDP per capita de Cabo Verde tem fundamento na atividade turística, na transferência de nacionais expatriados, na pesca. É penosa a atividade agrícola no arquipélago. Revela, o desempenho, êxito numa ciclópica luta contra as desvantagens geográficas e de constituição de solo (7). Uma nação arquipélago em que a maior ilha é uma pequena ilha. Em que o solo é vulcânico. Em que a latitude norte em torno dos 16 graus, a 650 km a oeste de Dacar, no extremo oeste da África Continental, a expõe a um clima tipo Sahel, a que o Aquecimento Global promete ainda aumento de aridez.

Moçambique foi, em termos internacionais, o país mais afetado em 2015 pelas Mudanças Climáticas (8). Uma penosa seca já marcara o seu processo de retomada após a comoção do período de guerra. Do ponto de vista de orientação de macro gestão, após um estágio de experiência socialista teve adotado o modelo capitalista. Grandes investimentos que contaram com subsídio generoso geram os items de peso na pauta de exportação (9). O modelo de crescimento de Moçambique não teve continuado êxito em ser inclusivo. Reduziu pouco a pobreza.  Paira a paz romana. Brasileiros que estiveram lá na década passada relatam que Maputo, a capital, relembra, em termos de paz e de estilo arquitetônico, os velhos bons tempos do Rio de Janeiro dos anos cinquenta. Cariocas sessentões que troquem dias de turismo na zona do euro por Cabo Verde e Moçambique têm a ganhar. Se escolherem bem o tempo de ir podem encontrar um clima ameno, correspondente ao do Sul maravilha brasileiro, proporcionado por sua latitude ao sul de Curitiba, a cidade de temperatura anual média mais baixa no Brasil.

Portugal teve  a seu favor a política da União Européia de redução das desigualdades internas. Contou com recursos de fundo para infraestrutura, parte deles a fundos perdidos (10). Também contou com recursos de fundo de desenvolvimento, em termos camaradas. Sua taxa de crescimento anual do GDP per capita relativo ao médio mundial foi, entre os anos 1990 e 2015, apenas um décimo de um por cento superior ao GDP per capita análogo dos países da zona do euro. Tem sofrido sério impacto de situações extremas atribuíveis ao Aquecimento Global e está alerta ao problema (11).

Angola continua em seu esforço para diversificação da economia, marcada do petróleo que representa 55 % do PIB e 95 % das exportações. Vive percalços economicos e políticos e vem tendo de dedicar recursos para conter ameaças de desestabilização somados a necessidade de contenção da ação de grupos rebeldes. O acesso à educação nas zonas rurais é de apenas 25%, ascendendo a 40% nas zonas urbanas . Na virada do milênio, a taxa de analfabetismo da população com idade superior a 15 anos era 58%. A malária continua a ser a principal causa mortis em Angola, onde a esperança de vida é de 49 anos (12).
 
O Brasil não tem a desvantagem locacional e geografica de Cabo Verde. Se estende a latitudes fora da região equatorial, se estende a regiões nemos castigadas pelo Aquecimento Global. O Brasil não passou por situação análoga a Moçambique, tendo grupos paramilitares atuando contra o governo, não passou pelo esforço adaptativo de ter em sucessão dois tipos de macro gestão antagonicos. Os desastres naturais foram proporcionalmente significativamente menores, em termos relativos. Como nada acontece sem causa, os brasileiros devem buscar a razão para uma taxa de crescimento muito menor do que as obtidas por Cabo Verde e por Moçambique. Será melhor que busquem sem atribuir todos os males e todos os erros aos que pensam de forma diferente. Terão, assim, melhor chance de um melhor diagnóstico, pois todos os grupos têm pontos positivos e pontos negativos, ou se consideram grupos divinos?

O Brasil, entre os países de língua portuguesa que estão ficando para trás na corrida pelo aumento do GDP per capita só está permanecendo à frente de Guiné-Bissau. Este país não conheceu nenhum processo de industrialização e em que a própria produção agrícola carece de sofisticação. Está ainda tão atrasado que
                           
"a economia é pouco diversificada e dominada pela produção de castanhas de caju não processadas. O crescimento médio anual tem acompanhado com dificuldade o crescimento populacional, o que se deve em parte a um ambiente de governação difícil, frequentemente interrompido por turbulência política, incluindo golpes militares. O último golpe ocorreu em 2012. A fragilidade política na Guiné-Bissau tem constrangido o crescimento liderado pelo sector privado e a redução da pobreza."(13)
  
A história legou aos cinco maiores países latinoamericanos a possibilidade de uma melhor posição de enfrentamento dos efeitos negativos do Aquecimento Global. Nada há entre eles que represente o desastre apresentado, até agora, por Guiné-Bissau. (14)

Referências

1 Inovação e Adaptação ao Aquecimento Global. Adaptação ao Aquecimento Global e o Produto Per Capita Mundial. Disponível em: http://inovasmtp.blogspot.com.br/2017/06/adaptacao-ao-aquecimento-global-e-o.html.

2 Inovação e Adaptação ao Aquecimento Global. Comparando Indicadores de Capacidade de Adaptação entre os cinco maiores países: o Brasil desponta um futuro de Submergent Power?. Disponível em:  http://inovasmtp.blogspot.com.br/2017/06/crescimento-e-adaptacao-os-5-maiores.html.

3 Inovação e Adaptação ao Aquecimento Global. Capacidade de Adaptação ao Aquecimento Global e as cinco maiores economias latinoamericanas. Disponível em: http://inovasmtp.blogspot.com.br/2017/07/capacidade-de-adaptacao-ao-aquecimento.html.

4 FARLEY, David (2017).  The truth about Japonese tempura. BBC Travel. August, 10. Disponível em: http://www.bbc.com/travel/story/20170808-the-truth-about-japanese-tempura. Acesso: ago. 10, 2017.

5 FREYRE, Gilberto (1933). Casa Grande & Senzala. 52a ed. São Paulo: Saraiva. 2013.

6 CABAÇO, José Luis de Oliveira (2007). Moçambique: identidades, colonialismo e libertação. São Paulo:  USP  (Tese de doutorado). Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-05122007-151059/pt-br.php. Acesso em: 15 ago.  2017.

7 Cabo Verde: Country Strategy Paper 2014 - 2018. African Development Bank. Disponível em: https://www.afdb.org/fileadmin/uploads/afdb/Documents/Project-and-Operations/2014-2018_-_Cape_Verde_Country_Strategy_Paper.pdf. Acesso em: 18 ago. 2017. 


8 Deutsche Welle. Moçambique foi o país mais afetado por fenómenos climáticos em 2015. Notícias/Moçambique. Disponível em: http://www.dw.com/pt-002/mo%C3%A7ambique-foi-o-pa%C3%ADs-mais-afetado-por-fen%C3%B3menos-clim%C3%A1ticos-em-2015/a-36312360. Acesso em: 18 ago. 2017.

9 ROSS, Doris C. (Coord.) (2014). Moçambique em Ascensão: Construir um novo dia. Washington: FMI. Disponível em: https://www.imf.org/external/lang/portuguese/pubs/ft/dp/2014/afr1404p.pdf. Acesso em: 17 ago. 2017.

10 ROYO, Sebastián (2006). Portugal, Espanha e a União Européia. Revista Relações Internacionais. 09 Março, p.091-113. Disponível em: http://www.ipri.pt/images/publicacoes/revista_ri/pdf/r9/RI09_07SRoyo.pdf. Acesso em: 12 ago. 2017.

11  Inovação e Adaptação ao Aquecimento Global. Portugal em adaptação ao aquecimento global. Disponível em: http://inovasmtp.blogspot.com.br/2014/11/portugal-em-adaptacao-ao-aquecimento.html. 

12 LOTZ -SISITKA, Heila; URQUHART, Penny 2014.  As Alterações Climáticas Contam: Relatório Nacional de Angola. Joanesburgo: SARUA. Disponível em: http://www.sarua.org/files/SARUA%20Vol2No1%20Relat%C3%B3rio%20Nacional%20de%20Angola.pdf.  Acesso em: 20 ago. 2017.

13 Banco Mundial (2015). Guiné Bissau: Memorando Económico do País - Terra Ranca! Um novo começo. Disponível em: http://documents.worldbank.org/curated/en/843231468250507098/pdf/582960PORTUGES0CEM0final010Feb150PT.pdf, Acesso em: 20 ago. 2017.

14  Inovação e Adaptação ao Aquecimento Global. Capacidade de Adaptação ao Aquecimento Global e as cinco maiores economias latinoamericanas. Disponível em: http://inovasmtp.blogspot.com.br/2017/07/capacidade-de-adaptacao-ao-aquecimento.html.