domingo, 20 de fevereiro de 2022

Adaptação e Justiça Climática

A Adaptação ao Aquecimento Global abrange muitos variados aspectos. Em grande parte deles são necessários grandes investimentos. São necessários para manter a capacidade produtiva, não tipicamente para aumentá-la. São destinados a confrontar e contornar os malefícios trazidos pelos efeitos negativos do Aquecimento Global. Os países menos desenvolvidos que a média mundial geralmente não têm contribuição per capita relevante para o Aqauecimento Global. Mas sofrem fortemente seus resultados negativos. Repousam maior parte do que a média mundial da renda per capita nos frutos da terra, onde se abatem os efeitos dos eventos extremos, das secas insidiosas, das mudanças que afetam a produtividade de suas agriculturas.

A Adaptação, para manter a renda per capita do setor agrícola pode exigir recursos muito acima dos disponíveis nestas sociedades. Surgem idéias de financiamentos. Que bom negócio. Uns, em seus processos de desenvolvimento causam perdas a outros. Depois vislumbram mais um bom negócio. Financiar a Adaptação necessária para contrabalançar o mal que causaram.

Tratando de analisar a questão de uma forma justa vem exposto, o publicado na Revista Será?, 


Olvidada justiça climática

 Adriano Batista Dias e Tarcisio Patricio de Araujo | jan 14, 2022
 

 
A leitura que se faz do passado e do presente pode variar conforme o
que está em jogo para os interesses dos agentes envolvidos. Em muitas situações, marcas do passado têm maior importância do que
elementos do presente. Conveniências de uns podem dar vezo a se
subestimarem marcas do passado, e até fazê-las sumir de processos
decisórios.


Imagine-se uma barcaça fazendo transporte misto, carga e
passageiros, em grande lago africano. Em pleno curso, carga no limite
calculado, e firmado como tal por autoridades que controlam o uso
das águas. Já leva o máximo de trinta toneladas de carga, no porão, e
vinte e cinco passageiros, com bagagens de até 30 quilos. Trabalha-se
com 100 quilos por passageiro (respectiva bagagem incluída), em
média. Ocorre que, no próximo porto do percurso, uma festa estava
para ser encerrada – quando a barcaça lá aportou. Saíram 150 kg de
carga, entraram outros 150. Aguardavam ansiosos 155 passageiros.Prefeririam perder o restinho da festa do que esperar horas e horas a
fio pela próxima barcaça. Entrada um tanto forçada. As autoridades
encarregadas do controle náutico na região ainda estavam na festa.
Ninguém mais a quem recorrer. O comandante foi persuadido a seguir.
O anterior assim procedia e tudo dava certo, foi-lhe afirmado, com a
força de um juramento coletivo. Todo ano é a mesma coisa. Novidade,
só para o novo comandante. Capitulou.


Sai a barcaça e a princípio tudo bem. Mas, embora a época do ano
fosse de tempo com ventos leves – nunca passava disso –, o céu
cobriu-se de nuvens de tempestade. E chegaram ventos nada leves. E
lá veio a marola, logo depois ondas nada suaves. Diante de tal
surpresa, não haveria como evitar a embarcação fazer água. Nem
evitar que a situação rapidamente saísse do controle. Enfim, dá-se o
soçobrar. Excesso e inadequada distribuição do peso, com o convés
apinhado.


Vamos aos culpados. Os 180 passageiros? Outras barcaças, de igual
modelo, haviam tido melhor sorte diante de algum excesso de lotação.
A que soçobrou já havia suportado bem outros temporais, quando
satisfazia os limites de carga e passageiros. Teriam sido os 180
passageiros e mais as trinta toneladas de carga a causar o excesso de
peso? Mas, igualmente culpados? Ou teria sido o último passageiro a
entrar? Ou os dez últimos? A razão parece estar com quem põe a
culpa nos 155 passageiros excedentes.
Aí um pré-texto – estória inventada, mas poderia ser real – para o
tema central que passa agora a ser diretamente abordado.


Desde 1856, quando Eunice Foote provou que moléculas de CO2
produziam efeito estufa,
se sabe que é o número delas na atmosfera
que contribui para o Aquecimento Global, não o número das jogadas
na atmosfera no último ano. O principal agente antropogênico é o
dióxido de carbono, isoladamente contribuindo, atualmente, com 53%
do total do efeito estufa
. Sua concentração na atmosfera, até a
Segunda Revolução Industrial, era de 280 partes por milhão. Em 2021,
já se contam 419 partes por milhão, a maior concentração, na Terra,
em 23 milhões de anos. Todas as moléculas de agentes causadores de
efeito estufa deixam de sê-lo dentro de algum prazo. Por serem
absorvidos em processos químicos ou por decaírem para moléculas de
menos de três átomos.


O metano tem, na atmosfera, vinte anos de vida média; quanto ao
dióxido de carbono, ainda não se sabe exatamente. Mas sabe-se ser
de duração de ordem de grandeza superior à da vida humana, acimade três centenas de anos. Enfim, os cientistas da área de química,
juntamente com os climatologistas, podem estimar – com base na
emissão de gases de efeito estufa de cada nação, em cada ano
passado – quanto do estoque de gases de efeito estufa é de
responsabilidade de cada nação. Há um limite que pode ser tolerado
sem causar aquecimento. Acima desse limite, efeitos retro-
alimentadores podem gerar um sistemático Aquecimento Global – e
um nebuloso futuro.


O que excede a tal limite, por conta de cada nação, mede a
responsabilidade de cada uma no efeito antrópico de aquecimento e
decorrências.


O estoque efetivo de agentes de efeito estufa nunca é mencionado
nos tratos para resolver o problema de reduzir a chance de desastres
climáticos maiores. Na COP26 não foi diferente. As nações são
pressionadas a contribuir com esforços de mitigação (redução da
emissão de gases de efeito estufa), que têm custos econômicos (em
geral alto custo econômico, social e político), além dos custos de
adaptação em que devem incorrer. Isso tem lugar sem que
consideração haja à contribuição que cada uma dá ao desastre que é
o Aquecimento Global.


Os esforços de Mitigação são sempre inferiores aos prometidos por
causa da natureza dos benefícios e dos custos da Mitigação. As ações
de Mitigação são bens públicos. Cada tonelada de CO2e que é evitada
de ser adicionada à atmosfera – ou dela é retirada – beneficia todos os
humanos no presente e no futuro. Como todo bem público, que
beneficia a todos e tem os custos recaindo sobre um determinado
agente, termina por encontrar resistência deste agente a arcar com
tais custos. Todos querem que os outros mitiguem ao máximo que
puderem, mas cada um quer minimizar sua mitigação. Justiça
Climática pressupõe que os custos de mitigação sejam proporcionais à
contribuição que cada agente dá ao Aquecimento Global.


Adaptação a Mudanças Climáticas é obrigatório para a sobrevivência
das nações. Mas pouco se fala disso, em contraste com estridente
ênfase dada à Mitigação. Há dois fortes motivos para tal silêncio. E
ouvidos surdos para com quem clama por Adaptação com Justiça
Climática. O primeiro é a existência de recursos para tal, nos países
desenvolvidos. O segundo, porque há responsabilidade de se subsidiar
a Adaptação, com recursos e conhecimento, tal mister devendo ser
atribuído aos que causaram o problema-pesadelo, justamente os
desenvolvidos. E quando há responsabilidades sobre algo tãodramático, é de interesse dos responsáveis que não se fale sobre
responsabilidade. E lá vem a ideia de se financiar a Adaptação. Ora,
uns usaram bens naturais pertencentes a todos os humanos – no
presente e no futuro. Tiveram benefícios, enriqueceram, se
capitalizaram, e causaram o problema. E os que sofrem as
consequências sem as terem causado são instados a lutar por
empréstimos para se Adaptar e para ajudar na Mitigação. Têm seus
compromissos contrariados por mais efeitos maléficos das Mudanças
Climáticas, podendo se tornar reféns de atraso no pagamento dos
empréstimos. Não seria o caso de, sob ótica de justiça, receberem
compensações ao invés de empréstimos?


Antes de se procurar olhar para os dados estatísticos, devem ser
levadas em conta duas alternativas. Tratar as informações em termos
totais por nação ou em termos per capita, por nação. Isso vai sofrer
influência do objetivo que se deseje alcançar. Se o objetivo for
enfraquecer os países de porte continental que não pertencem à área
do Atlântico Norte – Brasil, China, India e Rússia–, o tratamento é pelo
total de cada nação. Que total, o acumulado? Não; este está vinculado
à responsabilidade pelo Aquecimento. É claro que para deixar estes
países na defensiva, o recomendado é o total de adições anuais
recentes. Estes dados estão vinculados ao processo atual de
desenvolvimento. Nada melhor para criar obstáculos a este processo
como encarecê-lo, como dificultá-lo. É o que se faz ao torná-las
vítimas de seus tamanhos, colocá-las na posição defensiva, criando
oportunidades de gerar dissensões internas – parte da população se
sentindo culpada pelo peso com que a nação é vista tendo quando
contra ela se joga informação sobre as emissões do ano anterior. O
adequado é se considerar o fato de que as pessoas têm iguais direitos
sobre os bens naturais, devendo-se levar em conta os valores per
capita das emissões nacionais – sejam acumuladas, sejam adicionais
de um ano.


O leitor pode descobrir quais países sofrem sem ter causado os efeitos
maléficos do Aquecimento Global. São países com baixa taxa de
emissão per capita de gases causadores de efeito estufa, tratados
como dióxido de carbono equivalente. Para tal precisamos dos dados:
quando foi detectado o Aquecimento Global? Pode-se considerar como
tal a data do primeiro relatório do IPCC, 1990. E as contribuições
anuais de cada país em termos per capita podem também ser
consultadas. A contribuição per capita mundial deste ano constitui
uma fração que não teria causado o Aquecimento Global no nível queconhecemos. Alguém pode alegar, com total procedência, que esta
contribuição per capita mundial terminaria por tornar inadequado o
componente andrógeno do Aquecimento Global, dado o crescimento
populacional. Mas é fácil corrigir, abatendo do nível de contribuição
per capita do ano de criação do IPCC um componente de correção da
contribuição per capita mundial, de forma que mantenha constante a
contribuição total mundial anual. Em 1990, enquanto a população
global era 5,28 bilhões, a emissão global de CO2e (dióxido de carbono
equivalente em termos de contribuição ao Aquecimento Global) foi
29,8 bilhões de toneladas. Para manter a mesma contribuição mundial
em 2018, levando-se em conta o crescimento populacional mundial de
44%, o quantitativo da emissão per capita global que mantém a
emissão global igual à de 1990 vem a ser 3,92 t de CO2e. Nações com
contribuição per capita inferior a esta última não concorrem para o
Aquecimento Global com a intensidade que conhecemos. Em geral,
são economias agrícolas e sofrem brutalmente as consequências.


Com a continuação da emissão de CO2, mesmo permanecendo ao
nível mundial total de 1990, o acúmulo deste gás na atmosfera iria
trazer, anos adiante, o Aquecimento Global que já hoje conhecemos.
Efeitos, em termos de eventos climáticos extremos (secas, incêndios,
enchentes) que já estamos vivenciando com o acréscimo atual de 1,2
grau centígrado sobre a temperatura pré-revolução industrial. Todavia,
teríamos muito mais tempo para cuidar e, com certa probabilidade,
não chegaríamos às perspectivas atuais de ultrapassar um acréscimo
de 1,5 grau centígrado. O fundamental é entender que abundam
países na África, América Latina e Ásia, que não contribuem para a
perigosa situação que levou à COP26 a vir a ser ocasião de se
pretender a salvação da vida humana na Terra. É facilmente
entendível o absurdo de se pretender forçar o Vietnã, um dos mais
pobres países do mundo, a investir recursos para mudar seu milenar
modo de cultivo de arroz, que nunca causou Aquecimento Global,
apesar da emissão de metano. Da mesma forma, é interessante
observar como países que continuam a emitir gases de efeito estufa –
sem diminuir tal emissão em ritmo satisfatório – assumem ter o direito
a pressionar a Índia a reformar o milenar processo de convivência com
suas sagradas vacas, de forma a fazê-las parar de emitir metano. E se
trata de dose de metano que nunca produziu efeito estufa fora dos
termos adequados a saudável temperatura atmosférica, favorável ao
bem-estar humano…

Urge que se esclareçam os objetivos políticos da opção pelo trato dos
dados, quando tomados pelos totais por nação ao invés de em termos
per capita por nação. Que sejam estimados e publicados, em termos
per capita, os montantes acumulados de CO2e na atmosfera,
atribuíveis a cada nação, de modo a que se explicitem as respectivas
responsabilidades pelo desastre em construção. Assim, se evitaria o
conveniente amaciamento dos dados – no que respeita a identificação
dos causadores de desmandos climáticos. A responsabilidade pelo
desastre não é da emissão do ano passado. É dos que, arriscando no
desconhecido, construíram o montante de gases estufa, na atmosfera,
que excede o tolerável. Pode-se considerar que não seja crime doloso.
Mas, não seria culposo? Como o do comandante da barcaça
soçobrada, que agiu como se houvesse garantia de o tempo respeitar
o padrão esperado, sem margem para surpresas da natureza.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Adaptação, efeitos sutis favoráveis de maior transparência


Há quem veja a Adaptação ao Aquecimento Global como o desenvolvimento de processos agrícolas compatíveis com os novos climas. Ou, no forma mais geral, de processos produtivos, urbanos e agrícolas, associados a maior resiliência aos efeitos do Aquecimento Global. Mas, há elementos mais sutis que contribuem a maior resiliência das comunidades, não diretamente vinculados a processos produtivos.


Uma maior transparência nas ações dos governos e nos marcos legais, uma maior segurança jurídica, contribuem a maior confiança dos membros das comunidades. Isto reduz o estresse, o que por si, é fator favorável a aumento da resiliência. Junta-se a outros aspectos também favoráveis, constituindo difusos, mas não desprezíveis efeitos favoráveis ao enfrentamento de situações mais hostís ao Homem.


Um item que está relacionado a uma maior transparência é a eliminação de prática de denominar renda o que não o é. Como assim e por acaso há alguma instância de denominação de renda, sendo apenas falsa renda e recebendo tratamento tributário como se fosse legítima renda? É o que o artigo Imposto sobre Falsa Renda: Imposto sobre Propriedade, publicado na Revista Será?, que transcrevemos, demonstra.


Correção Monetária não é renda. Tratada como renda é Falsa Renda. Sobre ela incide, por exemplo, nas correções da inflação, que compõem uma parte do que é computado como remuneração semestral nos fundos de investimento, a mesma taxa de imposto cobrada sobre o ganho real, este sim que tem natureza de renda.


O valor do imposto incidente sobre uma correção monetária então não é um imposto de renda. É um imposto sobre falsa renda. A tal renda sobre a qual ele incide é apenas uma ficção contábil. De fato o imposto incide, então sobre o capital que gera esta falsa renda. A taxa de incidência é um produto, da taxa de incidência do imposto sobre a falsa renda multiplicado pela taxa de correção monetária.

Além da ilusão econômica aos menos avisados, de denominar renda o que não é, esta prática tem duas instâncias de governo determinando a incidência sobre o capital aplicado no fundo de investimento. O poder legislativo determina a taxa de incidência sobre o valor auxiliar usado para cálculo do imposto; o descontrole do poder executivo em não conseguir cumprir a meta inflacionária, por sua vez aumenta este valor auxiliar, que é correção monetária. Ou seja, a incidência deste imposto sobre propriedade não é conhecida a priori. É encontrada sempre a posteriori. Isto só aumenta a incerteza no ambiente econômico. E aumento de incerteza, se sabe, é contrário ao investimento.

A redução da incerteza econômica que seria trazida pela correção deste imposto ilusório serviria como uma compensação ao aumento da incerteza trazida como efeito do Aquecimento Global. Neste sentido, pode ficar mais claro como evitar um imposto com taxa de incidência só conhecida a posteriori pode ser considerado um ato de Adaptação ao Aquecimento Global.



Imposto sobre falsa renda: imposto sobre propriedade

Postado por Adriano Batista Dia e Tarcisio Patricio de Araujo | dez 10, 2021 | Artigos

 

Inflação é o nome dado ao aumento generalizado dos preços em um sistema econômico. É reconhecida como passível de existência em todo sistema econômico monetizado. E, excluídas as tribos que não tenham adotado o modus vivendi do autodenominado mundo civilizado, todo sistema econômico é monetizado. A moeda não faz parte da natureza e inflação, como tal, não é um fenômeno natural. É fenômeno econômico e social, decorrente de trocas, transações entre agentes econômicos (pessoas, empresas, organizações). Inflação se traduz em crescente número de unidades monetárias para a compra de uma dada cesta de bens, a cada vez que se vai às compras: é perda de valor da moeda. Ou seja, inflação e perda de valor da moeda são duas faces do mesmo fenômeno. Em princípio, seria controlada pelos governos, por meio da autoridade monetária (“banco central”). É frequente sair um tanto do controle e há mais de século tem tido proeminente impacto nos sistemas econômicos. Quando sob pleno descontrole – hiperinflação – traz imenso sofrimento à população, como registra a história. Inflação pode ter se tornado necessidade, inevitabilidade. Uma certa dose pode ser “remédio”. Outra dose pode ser veneno. Questão de intensidade. Em países subdesenvolvidos, mais tolerantes, a exemplo do Brasil, uma inflação anual de até 15%-20% chegou a ser considerada “boa”. Em países desenvolvidos, que já desistiram da meta de inflação zero, 5% ao ano é o teto (a não ser alcançado). Vive-se um momento de expansão da inflação, no Brasil e em muitos membros da comunidade internacional de nações, o que aumenta a falsa renda e leva a decorrente acréscimo de imposto sobre patrimônio. 

Apesar da secular preeminência da inflação na economia, tem passado sem o devido registro na literatura, quer científica, quer dirigida aos não iniciados, que a inflação tem poder de mudar a natureza do imposto sobre a renda, instituição universalmente adotada. 

Imagine-se – por exemplo – o caso de um jovem camponês que tenha aplicado mil unidades monetárias (ums) de seu país, no último dia útil de 2019. A aplicação escolhida apenas corrigiria a inflação, que veio a ser 10% no primeiro ano. Então, no último dia útil de 2020, o camponês buscou resgatar o valor de mil e cem ums. Todavia, o saldo a resgatar era de mil e oitenta e cinco ums.   

Era um jovem inexperiente, mas recém-saído de um excelente curso secundário. Explicou ao atendente que havia escolhido aquela aplicação porque não lhe dava nenhuma renda, mas era absolutamente garantida a plena e correta correção da quantia aplicada. Você ganhou renda, sim, disse o atendente. “Aplicou mil ums e seu saldo é de mil e oitenta e cinco ums. Como não houve ganho de renda?”. O investidor retruca: minha colheita foi, nestes 12 meses, excepcionalmente boa, fui à cooperativa agrícola, que vende os produtos para nós agricultores, a preços fixos, corrigidos pelo índice oficial de inflação. Fiz o orçamento do que meu irmão iria precisar para seu primeiro ciclo de uso da gleba que lhe seria confiada. Chegava a mil ums. Apliquei de forma que agora poderia lhe entregar o montante de que necessita, para cultivo e primeira colheita. Hoje, ele precisa de mil e cem ums, valor corrigido pela inflação. Exatamente por isso fiz a aplicação. Mas o índice aplicado ao meu capital foi menor, agregando apenas oito e meio por cento, em moeda que, passado um ano, havia perdido valor. O atendente aduziu: é que de sua renda de cem ums foi subtraída a fração de 15%, referente ao imposto de renda.

“Imposto de Renda? Como, se não tive renda? Fiz questão de apenas manter a capacidade de comprar os mesmos itens na cooperativa um ano depois da aplicação. Vocês estão me ludibriando, quero falar com o gerente”. O novo interlocutor, imbuído de sua posição hierárquica, argumentou que talvez o cliente não tivesse conhecimento especializado para assegurar o que estava dizendo. Discorreu: o governo tem um centro técnico, que trata dos projetos de lei, principalmente os referentes a tributos. São peças produzidas e usadas por pessoas instruídas, depois de discutidas e aprovadas no Parlamento, e todos consagram o uso pacífico do termo renda aplicado a ganhos como o que você teve. “Mas não tive ganho algum, só tive correção para manter a capacidade de compra. Onde está o ganho se só haveria manutenção da capacidade de compra?”. Dois mundos com posições antípodas. O argumento da autoridade e o argumento da razão. “Bem, você pagou 15 ums de imposto, é a lei. Se não manteve a capacidade de comprar o que queria é um problema seu e não podemos resolvê-lo. Contrate um advogado tributário” – o gerente bate o martelo. Soou como gozação.

De volta pra casa, o jovem camponês buscou seus amigos, para um papo regado a cerveja. Verbalizou seu raciocínio: o imposto sobre a propriedade foi de 1,36% (15 dividido por 1.100) porque a inflação anual foi 10%. Tivesse sido 20%, a incidência teria sido de 2,5% (30 dividido por 1.200). É incidência de imposto sobre a propriedade. No caso, legalmente tratado como imposto de renda, cujo impacto varia de acordo com a inflação. Imagine, disse para finalizar, uma tal de meta para a inflação era de 4,5% para o período em que foi 10%. O governo não controla a inflação e eu pago um imposto, maior, sobre a propriedade maior por conta disto. Quanto mais descontrolada a inflação, mais imposto eu pago. Eu só levo na cabeça. Se me descontrolo no cultivo, perco renda. Se o governo não consegue controlar o processo de perda do valor da moeda, pago mais imposto sobre a propriedade. [De fato, se o capital aplicado recebe remuneração que apenas corrige a desvalorização da moeda, não há ganho concreto, real. Isso só se daria se o ganho nominal superasse a inflação. Aí, sim, haveria – só no excedente – base concreta para incidência do imposto sobre renda].

Logo veio outro relato pedagógico, de um dos amigos. “Meu tio está em palpos de aranha”. Aos vinte, ele e os oito irmãos deram início ao cultivo de nove glebas. Houve uma grande seca na região, mas, por imensa sorte, choveu o suficiente na área em que tinham suas glebas. A safra foi boa e os preços dispararam porque foi pequena a produção agrícola na região. Do que receberam, subtraído o necessário para viver e para o cultivo por mais um ano, restou alentada quantia. Valor aplicado pelo tio – único dos irmãos com acesso ao sistema bancário – em dois quilos de ouro, deixados na forma escritural, no próprio banco. Há pouco, ele já aos oitenta anos, os irmãos – mais moços – faleceram em acidente aéreo e os respectivos herdeiros pediram seus nacos do valor dos dois quilos de ouro. O quilo do ouro, corrigido pela inflação oficial dos últimos 60 anos, estava valendo um bocado menos do que quando fora comprado. O gerente do banco sugeriu: “por que não autorizar ordem para venda do ouro quando este atingir valor igual ao corrigido, já que há perspectivas de aumento do valor do ouro?” 

Assim foi feito. E, algum tempo depois, semana passada, recebeu o aviso. O ouro havia sido vendido pelo preço corrigido. Avisou aos sobrinhos e foi ao banco. Devia repassar aos sobrinhos o valor correspondente a um total de oito nonos de dois quilos de ouro, ou seja, um quilo e 778 gramas (oito porções de “2.000 gramas divididas por 9”). Mas, o valor que recebeu só correspondia a um quilo e 750 gramas. Recebeu menos do que teria que pagar aos herdeiros, ficara sem nada e ainda ficara devendo. Os herdeiros reclamavam o que por direito entendiam lhes pertencer, mas o banco entregou menos do que isso. Voltou ao banco. O gerente explicou: foi imposto pago pela renda que ganhou. “Como ganhei?” Nada ganhara. “Mostre-me o extrato dos ganhos de renda que tive”. Não temos isto registrado, devolve o gerente. O senhor quer dizer que ao longo dos 720 meses o banco pagou renda e não registrou?” Não, de fato não ganhou renda mensal. Teve rendimento como ganho de capital. O ouro, há 60 anos comprado por uma ninharia, é agora essencialmente ganho de capital. “Como pode o próprio ouro ter virado ganho de capital, qual ganho de capital, se agora revertendo compra em venda repasso ao banco exatamente 2 quilos de ouro?” Desculpe, mas não estou aqui para discutir besteira – segue, implacável, o gerente. O senhor pagou 15% de imposto sobre o ganho de capital, apurado da forma como a lei manda. Ponto. Se tiver dúvida, vá à justiça. 

No mundo inteiro é assim, muda a língua usada, mas cobra-se imposto de renda sobre a ilusão de ganho que a correção monetária representa. Cobra-se como renda em aplicações financeiras, cobra-se como ganho de capital em aplicações em ações de empresas ou em capital físico, como numa casa. 

Estou estudando economia, pela internet, e vi que é assim, disse um terceiro. Só em fundos de investimento há no Brasil 6 trilhões de Reais, o correspondente a 80% do PIB. Isso gera uma boa dose de imposto sobre a propriedade na forma de imposto sobre correção monetária, que é ganho ilusório, além do imposto sobre o verdadeiro ganho, o real.

O jovem camponês gritou: “Vou tentar deixar de ser camponês. Vou estudar para ser doutor. Se conseguir, que bom. Vou dizer, isto é um imposto de renda. Se discordar, contrate um advogado”. Vai ver que todos os relacionados à questão estarão do lado da autoridade. 

Ou seja, um mundo em que um camponês procuraria alçar vôo no campo da educação – não para buscar, mas para derrotar a razão e a verdade. Quando se paga imposto sobre rendimento de bens, parte do imposto – às vezes todo – é, em geral, sobre mera correção pela perda de valor da moeda e vem a ser imposto sobre a propriedade. Saiba-se que, mundo afora, geralmente não é adotado um índice oficial de inflação, não se podendo identificar, para efeitos fiscais, que fração da “renda” é apenas correção monetária. Mas, paga-se imposto sobre a propriedade – mesmo sem se saber exatamente quanto. É como fazer uma viagem de automóvel. Você pode não saber exatamente quanto gastou de combustível entre os pontos de origem e destino. Mas sabe que gastou. E, no momento em que a inflação está em curva crescente, a decorrência é elevação da incidência do imposto sobre a propriedade.



quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Acervos Culturais e Adaptação

Acervos culturais não são isentos de importância na questão da Adaptação ao Aquecimento Global. Afinal, as adaptações mais aceitas numa cultura devem, tudo o mais sendo constante, ter maior impacto favorável. Adaptações com êxito em outras culturas muitas vezes devem ser objeto de extensas modificações para serem absorvidas plenamente, o que requer conhecimento da própria realidade cultural. Acervos culturais ajudam ao aprofundamento do conhecimento sobre a própria cultura, observando sua evolução e os fatores que a estimularam.

Acervos culturais devem ser mais cuidados quando o mundo se depara com a necessidade de uma avalanche de instalação de processos de Adaptação ao Global e suas Mudanças Climáticas.

Neste sentido foi escrito "O acervo cultural da Fundaj - rara e preciosa pérola" publicado na Revista Será? , aqui reproduzido. Fundaj, se esclarece, é a sigla da Fundação Joaquim Nabuco, um órgão de pesquisa científica na área de ciências sociais, incluindo questões culturais, o único desta natureza, do governo federal no Nordeste do Brasil, a região de mais antiga e extensa ocupação.

 

O acervo cultural da Fundaj: rara e preciosa pérola

Adriano Batista Dias e Tarcísio Patrício Araújo, 01, out., 2021. 

Condições específicas vividas pelo Brasil levaram à existência, no Nordeste brasileiro, de uma riqueza imaterial importante para esta nação de tão ampla dispersão de latitudes, na qual vieram a ser geradas regiões com muito diferentes níveis de desenvolvimento econômico. Dentro da área entre os círculos polares, praticamente desabitada, o Brasil apresenta a maior dispersão de latitudes.

Os invasores europeus, ao conquistarem terras de baixa latitude, equatoriais, no leste da América do Sul, descortinaram um espaço com bastante diversa geografia, diferenciação climática, variada cobertura vegetal. A oeste, uma vasta floresta úmida de difícil utilização não extrativa. A leste, uma área semiárida, recorrentemente assolada por secas, e mais a leste, aproximando-se do litoral, uma fímbria de mata úmida própria ao cultivo da cana-de-açúcar. Um ponto central da costa leste equatorial, a oito graus de latitude sul, representava um sonho, se não sonhado, encontrado. Um porto protegido por barreira de arrecifes, a walking distance de morros, magníficos pontos de observação do mar, de onde se descortina mais de uma dezena de quilômetros e rios perenes, navegáveis, que alimentariam uma cabotagem costeira, trazendo ao porto transoceânico produtos derivados da cana-de-açúcar. Açúcar para os europeus; e aguardente, para comprar vidas humanas na África, em adição às conquistadas diretamente em guerras. Recife, o porto, tornou-se grande riqueza equatorial, levando a província de Pernambuco a se constituir em pérola da coroa dos tempos imperiais. E isso ocorreu, mesmo depois de máquinas a vapor terem sido desenvolvidas pelos ingleses – ampliando o uso do nefasto carvão mineral – e, aplicadas na propulsão de navios, terem desfeito a vantagem da proximidade dos portos europeus que a lentidão da navegação eólica concedia ao porto de Recife. 

O vapor trouxe para o sul – onde o clima era mais assemelhado das origens dos imigrantes – levas de germânicos, italianos, japoneses, que se dedicaram principalmente à nova riqueza agrícola, o café, e a atividades industriais, das quais traziam conhecimento. A Vila de São Vicente, principal beneficiária do porto de Santos, se industrializou, vindo a ser – desde então – o maior centro de riqueza do país. Em meio a esse processo, a riqueza do café produzia um fruto intelectual de expressiva contribuição à humanidade. Alberto Santos Dumont, nascido nos estertores do império e fruto da nascente riqueza do café, deu contribuição à navegação aérea: ao mais-leve-que-o-ar, no fim do século XIX; e ao mais-pesado-que-o-ar, no início do século XX. Inovações plenamente reconhecidas à época e hoje tentativamente minimizadas pelo historicamente recente convencimento norte-americano de que o impotente artefato dos Wright Brothers fizera um secreto vôo sustentado, em 1903, apesar de sua notória impotência para tal. Questão só publicamente e satisfatoriamente resolvida em 1908, quando, afinal, o Flyer foi visto voando de forma sustentável. O poder dos acervos pode ser bem entendido pelo fato de o artefato dos Wright ter entrado no museu do Smithsonian Institute, em Washington, após os norte-americanos terem se tornado o indiscutível líder mundial, com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando se sentiram capazes de rescrever tal fato histórico. 

Na região equatorial, a riqueza produziria – no Recife – o mais antigo jornal em circulação na América Latina, o Diário de Pernambuco, nas primeiras décadas do século XIX, e propiciaria, na segunda década no século XX, o deleite da primeira audiência de transmissão de uma rádio que tomaria a nome de Rádio Clube de Pernambuco. Produziria, também um fruto corporificado na original análise do ambiente socioantropológico. Três raças – a pré-existente ocupante das terras; a invasora, que passou a governar; e a que, sendo trazida como almas compradas ou conquistadas, para trabalhar – produziram o maior país mestiço do mundo. Havia liberdade e estímulo para invasores se casarem com índias. Com a desfaçatez dos invasores, índios eram mortos e havia generalizado nascimento de mestiços, enquanto era proibido o casamento de brancos com negras. O estudo sistemático da brasilidade equatorial viu mundialmente reconhecido o sociólogo Gilberto Freyre. Inusitadamente, para um cientista, Freyre tornou-se deputado federal eleito e, como tal, provocou a criação, por lei federal, de uma instituição de pesquisa social voltada primordialmente ao Nordeste e Norte brasileiros. Isto ao tempo em que se criavam universidades federais nestas regiões, centros de ensino que, com o passar do tempo, incorporariam a atividade de pesquisa.

Um elemento fortuito mais uma vez teria lugar. O único filho homem do sociólogo, advogado, assumiu, em certo momento, a direção da entidade. Contra todas as expectativas que podem ser formadas a partir de casos relativamente similares, fez gestão exemplar, navegando entre apoio político e trabalho em harmonia com o corpo de pesquisadores, técnicos e encarregados da burocracia, para bom funcionamento e expansão, transbordando a instituição de seu foco inicial em pesquisa e abarcando diferentes segmentos culturais. Foi dotando a instituição de competência para tal, formando um excepcional acervo cultural do homem equatorial, do Brasil colonial e de seus ecos. A Fundação Joaquim Nabuco carrega o mais importante e completo acervo cultural do Nordeste. São cerca de 130 mil volumes, entre livros, teses, folhetos, e periódicos nacionais e estrangeiros, incluída a biblioteca particular do abolicionista Joaquim Nabuco e outros componentes doados por famílias de intelectuais e artistas nordestinos. Grande parte desse acervo já se encontra digitalizada e disponibilizada na internet. Os museus, o do Homem do Nordeste, em Recife, com mais de 15 mil peças e o Engenho Massangana, no Cabo Santo Agostinho, com menor acervo, compõem importante testemunho de uma duradoura época formadora do nosso presente.

Acervos culturais são um tipo de patrimônio imaterial que tem componentes materiais particularmente sensíveis ao trato e ao tempo. A instituição é também exemplar no cuidado com tal acervo. Mencione-se um indicador de tal nível de excelência: as duas mais importantes licitações internacionais para recuperação de obras de arte na região foram ganhas e executadas pela Fundação Joaquim Nabuco. Trata-se da recuperação do Teatro de Santa Isabel, Recife, em 2000, teatro monumento nacional por reconhecimento do IPHAN, e da restauração do altar mor da Basílica de São Bento, em Olinda, reconhecidamente um dos mais belos altares barrocos do Brasil. Este último envolveu recuperar a forma original de cada peça de madeira do altar, semidevorado por cupins, estrutura que originalmente pesava 13 toneladas de madeira nobre e ouro. Uma vez montadas as novas peças e recuperado, o altar foi transferido a Nova Iorque e lá exposto, em 2001, no Museu Guggenheim, durante meses. Amostra esta que financiou a recuperação.

O acervo cultural da Fundaj é abrigado por uma instituição bem fundada. Todos os presidentes que sucederam a Fernando Freyre, destacando-se seu homônimo Fernando Freire, “vestiram a camisa da instituição”. Sempre apresentaram em algum momento discordância quando visões externas, mesmo na hierarquia direta, contrariavam o que era visto pela Fundaj como desejável para o cumprimento de sua missão. Se um acervo como o da Fundaj constitui, em condições normais, um trunfo para a sociedade em que está inserido, tal significação se amplia num mundo em que condições mais hostis para a vida econômica e social são antevistas. No interior, episódios de inundações, que trazem grandes prejuízos materiais, têm perspectiva de se amiudar; o mesmo se dá com respeito a grandes secas, e decorrentes perdas econômicas, sociais, culturais. O mar, cuja persistente elevação de nível em cidades litorâneas é dada como inexorável, deverá gerar balbúrdia muito além do que seria o trivial. É preciso fortalecer a resiliência, nestes novos tempos. Tão mais uma sociedade conheça de si mesma – e para isto bem contribui um bom acervo cultural –, tão mais capaz de, no aumento de sua capacidade de resistir, proceder a escolhas racionais que contemplem as próprias especificidades e informações a respeito de soluções que outros povos adotem e tenham interesse que adotemos. O acervo cultural da Fundaj, cuja construção e consolidação foram propiciadas por certo conjunto de condições raras, é indelevelmente importante para nosso presente e nosso futuro.



terça-feira, 12 de outubro de 2021

Anti-Adaptação: a imolação botânica na California

 É inacreditável, mas real. Na Califórnia, onde nasceu e cresceu o novo paradigma tecnológico que passou a marcar o passo do desenvolvimento tecnológico no mundo, preparou-se uma imolação botânica. Proibindo o cuidado dos índios com a floresta, por meio de incêndios controlados, gerou-se a construção de uma difundida massa de combustível no solo. A proibição do cuidado foi, inclusiva, tornada lei. Foi criminalizado o evitar o grande fogo incontrolável. Coisa de índio ignorante, tinha que evitada com o rigor da lei. Agora, temos as consequências. Que, como alerta o sábio Conselheiro Acácio, vêm sempre depois. 

Sobre esta política demente, é bom ler:

https://earthobservatory.nasa.gov/images/148908/whats-behind-californias-surge-of-large-fires; e

https://earthobservatory.nasa.gov/images/148913/a-multi-dimensional-fire-challenge



sábado, 4 de setembro de 2021

Do Aquecimento Global Desprezamos Avisos e Escondemos Conhecimento: Somos homo demens?

 O artigo "Somos homo demens?" comenta o prolongado desprezo de um inteiro século sobre o aviso de que queimar combustíveis fósseis provavelmente produziria um aquecimento global. E décadas adicionais, sem políticas adequadas para conter efetivamente o Aquecimento Global, mesmo depois de provado que a absorção pelo mar do CO2 jogado na atmosfera era parcial e, portanto, seu teor na atmosfera irremediavelmente aumentaria. Procurar elucidar sobre o possível aumento do teor de dióxido de carbono na atmosfera e com que intensidade, e com que consequências, deveria ser uma tarefa abraçada pela comunidade científica a partir da prova irrefutável, em 1856, de que aumentando o teor de carbono na atmosfera irremediavelmente aumentamos sua temperatura, fossemos verdadeiros homo sapiens.

 

Republicado da Revista SERÁ? 

(https://revistasera.info/2021/09/somos-homo-demens/)

 

Somos homo demens?

Postado por Adriano Batista Dias | set 3, 2021 | Artigos | 0 |

Adriano Batista Dias e Tarcisio Patricio de Araujo

  

Julho, que pode vir a ser um “Julho Inesquecível”, é estação do sol bater forte, aquecendo o Hemisfério Norte, que detém peso desequilibradamente grande no ¼ do globo terrestre coberto por terra firme. Em Julho 2019, por conta de mudanças climáticas, irromperam incêndios monumentais nesse hemisfério, o que motivou a lavra do texto Entramos na Era dos Incêndios Monumentais, escrito naquele mesmo ano. O inesquecível é a simultaneidade agora, neste Julho 2021, de monumentais enchentes, gerando mortes por quilômetro quadrado em escala diluviana em áreas urbanas. Intensas chuvas na Alemanha, e na China. Para maior intensidade dos desastres, as chuvas extremas não caíram sobre simultâneos incêndios, mas sobre outras áreas, somando prejuízos pessoais e materiais. E em dois anos passamos da entrada na era dos incêndios monumentais para a entrada na era dos Eventos Extremos Monumentais. Desagradável generalização.

Alertas não faltaram. O primeiro deles foi em 1856. Sim, são cento e sessenta e cinco anos desde que a feminista Eunice Foote apresentou um trabalho em que comparou o resultado de se expor ao sol – sob diferentes pressões – ar, dióxido de carbono e vapor d’agua, contidos em idênticos cilindros de vidro, com termômetro. A temperatura aumentava com a pressão estabelecida no cilindro e era substancialmente mais elevada com o dióxido de carbono, comparativamente ao vapor, e com este, comparativamente ao ar. Em texto publicado na íntegra, em 1857, Foote constata: “uma atmosfera daquele gás daria à nossa terra uma alta temperatura; e se, como alguns supõem, em um período de sua história o ar se misturou com tal gás em proporção maior do que no presente, um aumento da temperatura … deve necessariamente ter resultado”. Deixou claro que algum aquecimento viria com o uso de combustíveis fósseis. Caberia muita atenção ao fato por ela apontado. Sumários do mesmo texto haviam sido publicados, em 1856, nos americanos New York Daily Tribune, Canadian Journal of Industry, Science and Art, Scientific American e no europeu  Jahresbericht. Ademais, também vieram à luz nas respectivas edições de 1857 do americano Annual of Scientific Discovery, e da européia Edinburgh New Philosophical Journal

Uma resposta veio rápida. Cinco anos depois, o cientista John Tyndall publicaria um trabalho, de sua pópria lavra, On the Absorption and Radiation of Heat by Gases, and the Physical Connexion of Radiation, Absorption, and Conduction, sintetizando o avanço do conhecimento sobre radiação e esclarecendo a questão do efeito estufa. Inaugurava, na questão do Aquecimento Global, o alegar desconhecer o publicado. No caso, o tão publicado. Nenhuma referência ao trabalho de Foote. Além do vapor d’água e do dióxido de carbono, os principais gases causadores de efeito estufa foram apresentados por Tyndall com dados quantitativos, excluído o metano. 

O sueco Svante Arrehnius publicou, em 1896, “Sobre a influência do Gás Carbônico no Ar na Temperatura do Solo”, mostrando que, conforme uma função logarítmica, tal temperatura deve aumentar 2k graus centígrados se o teor de CO2 no ar aumentar “k” vezes o teor vigente anterior à segunda revolução industrial. O trabalho foi tomado – sem conhecimento ou fundamentação que amparasse a crítica – como esforço inútil, visto que “o mar absorve todo o CO2 que é jogado na atmosfera”.

Mudanças de temperatura, associadas ao aumento de CO2 na atmosfera, foram capturadas pelo engenheiro mecânico Guy Callendar nos anos 30, após a Primeira Guerra Mundial. Retomando a preocupação de Arrhenius, e munido de dados sobre temperatura e medidas do teor de CO2, Callendar postulou um aquecimento global antropogênico. A precariedade das medidas do teor de CO2 foi alegada para desfazer a tese de Callendar. Todavia, seu trabalho trouxe – a pertinentes círculos de cientistas – precipitação de saudáveis e preciosos pingos de dúvida.

Anos mais de prosperidade – e mais uma guerrra mundial – sob a égide de queima de combustível fóssil se passariam, até que o químico austríaco Hans Suess, destacado membro da equipe que intencionava criar a bomba atômica alemã,  então trabalhando nos EUA, viesse a constatar que tão mais antiga a biomassa convertida em carvão ou petróleo, menor seu teor de carbono 14 –  o conhecido “Suess Effect”. Foi encontrado redução do teor de carbono 14 (no carbono) na atmosfera, relativamente ao de madeiras imediatamente anteriores à Segunda Revolução Industrial – teor idêntico ao da atmosfera de então -, denunciando o efeito dos combustíveis fósseis usados. Completando esse novo conhecimento, em 1957 foi publicado, em trabalho conjunto (Hans Suess-Roger Revelle), como fruto de pesquisa para a Marinha Norteamericana: Carbon Dioxide Exchange Between Atmosphere and Ocean and the Question of an Increase of Atmospheric CO2 during the Past Decades. Bastou para que cientistas leitores vissem que não era como se pensava; de fato, o mar não assimilava todo o CO2 liberado na atmosfera. Assim se dissipava o que era tomado como verdade e permitia manutenção do aumento desenfreado do uso de combustível fóssil. O mar absorvia só parcialmente, ao redor de 50%, o CO2 jogado na atmosfera, resultante desse tipo de combustível. Foram dois trabalhos irrefutáveis. Revelava-se que era tempo de providências sérias.

O caminhar das economias nacionais – em completo desprezo à questão do Aquecimento Global – levou James Hansen, diretor do Goddard Institute, centro de climatologia da NASA, a uma exposição no Congresso dos EUA, em fins dos anos 80. Os legisladores seriam informados da existência do Aquecimento Global e de parte dos decorrentes efeitos, inclusive a subida do nível dos oceanos. Sombrias as predições para meados do século XXI, face a que uma parte signficativa dos auto-denominados homo sapiens ocupa áreas a ser tomadas pelo mar.

Aos poucos o assunto viria a ganhar maior atenção de membros da comunidade acadêmica, e a propiciar pesquisas sobre impactos do Aquecimento Global e decorrentes mudanças climáticas. Mas nada mudou no comportamento das economias. Em 1990 seria publicado o primeiro relatório do Intergovenmental Panel on Climate Change (IPCC), criado a partir das primeiras constatações de mudanças climáticas e de afirmação científica sobre a contribuição antropogênica para tais mudanças.

Em 2015 veio a conhecimento público que a Exxon Corporation, hoje Exxon Mobil, a sexta maior empresa do mundo, após fusão (2016, ranking da revista Fortune), tivera conhecimento – por pesquisas próprias, nos anos 1980 – da contribuição principal dos combustíveis fósseis para o Aquecimento Global. No entanto, passara, desde 1989, logo após o testemunho de James Hansen no Congresso dos EUA, a fomentar dúvidas sobre o papel antropogênico neste fenômeno. A “Exxon investiu, entre 1997 e 2014, mais de trinta e três milhões de dólares em grupos, think tanks e cientistas dedicados a criar dúvidas sobre as mudanças climáticas”.

O alerta de Foote – possivel aumento da temperatura da Terra, em decorrência de ações humanas – deveria despertar os cientistas para despender esforço com vistas a ampliar o conhecimento humano na direção de elucidar tal suspeita, descartando-se a hipótese heroica de que o teor de CO2 na atmosfera seria uma constante. Exatamente cem anos depois de provado por Suessen e Revele o irremediável aumento do teor de CO2 via uso de combustível fóssil, a dinâmica do avanço da ciência passava a incorporar atenção sobre implicações desse aumento. Mais quatro décadas e haja esforço petroleiro para desorientar processos decisórios humanos e evitar a devida incorporação de avanços do conhecimento. E chegamos ao Julho Inesquecível. 

É também desconfortável saber que, dado o estado das artes da crise climática, mecanismos de retroalimentação muito provavelmente garantem continuidade do Aquecimento Global, mesmo que que venha a ser totalmente sustada, neste 2021, a emissão antropogênica de CO2. Poderíamos até tornar susbstancialmente mais lento tal processo. Como estamos em processo cósmico a caminho de uma era glacial, podemos até limitar o alcance total do Aquecimento Global, não sem ainda sofrer grandes perdas até um sonhado desfecho feliz. Mas faríamos isto para beneficiar longínquas gerações adiante? 

Ou nossa generosidade não iria além de solidariedade cooperativa com respeito aos mais fortemente alcançados por eventos extremos? De fato, ir além disso e cobrir futuras gerações com nossa aura de bondade exigiria mudança do padrão de cooperação e competição, refazendo-se os padrões de produção e consumo, em associação com radical alteração da matriz energética. Impossível imaginar-se que, em tempo hábil, grandes nações venham a liderar um processo de mudança da corrente matriz de consumo, claramente predatória em termos ambientais.

Ademais, são mudanças que trazem efeitos predominante negativos, em particular sobre os países de economia fortemente dependente do setor agropecuário – justamente aquelas que minimamente concorreram para elas. Ocorre que pessoas mais fortemente atingidas por eventos extremos, sofrendo maiores perdas pessoais e materiais, terminam por ser as que herdam cicatrizes mais diversas e profundas. Eventual indenização não garante compensação plena.   

Discursos à parte, verdade é que as sociedades demandam continuidade do corrente modelo de progresso, inclusive mantendo-se o predominante padrão de consumo. Note-se que o presidente Biden, líder que sustenta duros discursos na luta por sustentabilidade ambiental, está no momento pressionando a OPEP por aumentos de produção do ouro negro, ou seja, para que haja combustível fóssil mais barato. Em associação a este mesmo flanco da matriz energética, o automóvel – na esmagadora maioria do mundo – parece talhado a manter por muito tempo o posto de um dos mais desejados objetos de consumo. Veja-se, por exemplo, como se torna anedótica a curiosa veneração do automóvel, objeto predador, em massiva propaganda comercial na grande midia, em que se louva um SUV “vitorioso” como a “oitava maravilha do Mundo!”… 

Ao invés da seriedade com que o assunto deveria ser tratado, é promovida a inovação do carro elétrico, produto que, ao ser colocado para a primeira venda, já gerou CO2 equivalente ao trazido pela produção e por anos de uso de um equivalente automóvel a gasolina. O veículo inovador, para rodar, geralmente utiliza – nos países centrais – energia elétrica advinda do uso de combustíveis fósseis, o que, indiretamente, o faz prover furtivo consumo dos combustíveis que supostamente deveria evitar.

Somos mesmo homo sapiens? Ou os homo sapiens demens de Edgard Morin? Ou, na verdade, puro homo demens?  




domingo, 22 de agosto de 2021

Carros Elétricos: da Maravilha ao Horror

Comentando aspectos não abordados usualmente sobre carros elétricos e estabelecendo uma plausível hipótese sobre o incêndios nas profundezas das ruínas do prédio que desabou em julho em Miami vem o artigo Carros Elétricos: da Maravilha ao Horror. A hipótese refere-se a um aspecto negativo evitado pelos entusiastas do carro elétrico tido como uma ótima Adaptação, uma solução parcial face ao Aquecimento Global. Se trataria, na realidade de uma Mitigação. 

Vamos ao texto, publicado na Revista Será?

 

Carros Elétricos, da Maravilha ao Horror

 

Adriano Batista Dias, Aldeia,
Tarcisio Patricio Araújo, Recife
04 jul. 2021

 

Construções milenares, podemos vê-las hoje, até sem sair de casa. Pela internet vemos as pirâmides maias, de um povo que tinha o zero na numeração quando os europeus um dia o teriam. Vemos templos incas, que cultivavam algodão a mais de três mil metros de altitude, o que ainda hoje não fazemos. Vemos edificações da civilização teotihuacana, expandida pelo comércio e pela religião, em vez das guerras europeias. Vemos construções milenares na África, Ásia, Europa, e igrejas e palácios há, nas áreas da América que foram objeto da exploração colonial europeia, com séculos de construídas. Todas estas construções multiseculares, que expressam a engenhosidade humana em todos os
continentes, e que se conservam em uso, têm algo em comum. Foram construídas sem uso do aço.
 

Não é o caso das construções atuais. As multipavimento têm obrigatoriamente aço nas lajes. Até nas construções térreas, tornou-se moda reforçar o alicerce com uma viga de concreto armado. O aço barateia a construção, mas necessariamente limita a vida útil da edificação. O ferro contido no aço vai retornando lentamente, às vezes nem tanto, à condição de óxido de ferro, ferrugem. Por isto,
conforme normas vigentes países afora, é apenas 50 anos a vida útil mínima a que os projetos de obras civis devem, em geral, satisfazer. E a competição entre os construtores fez rebaixar o custo ao mínimo possível para atendimento às normas, tornando o exercício dessa atividade um desafio para minimizar a vida útil prevista, satisfeito o mínimo estabelecido legalmente.


As cidades, que hoje abrigam a maioria da desatinadamente alta população mundial, têm, geralmente, áreas em que edifícios multipavimento abrigam grande fração dos seus habitantes. Uma fração crescente desses edifícios multipavimento supera, a cada ano, a vida útil objetivada em projetos e práticas construtivas. É a humanidade se expondo, cada vez mais, a desabamentos.
 

Em Miami, um edifício ruiu parcialmente a 01:30 (hora de Miami) de 25 de junho deste 2021. Os trabalhos de busca por vítimas e salvamento de possíveis sobreviventes foram retardados por um incêndio na profundeza dos escombros. Passada uma semana, no país mais poderoso da Terra,
menos de 10% dos corpos de mais de uma centena de desaparecidos haviam sido resgatados. Água, espuma e outras substâncias ditadas pela urgência para extinguir o incêndio foram desprezadas pelo fogo, que continuou por mais de um dia, prejudicando os trabalhos de resgate.
 

Não é esperado que incêndio surja em escombros de prédios desabados, tendo sido desligada a energia elétrica. Mas foi o caso. Ninguém, no conjunto das autoridades locais e dos jornalistas que cobrem o assunto, ousou vincular o fogo “profundo” à possibilidade de ter sido provocado por um carro elétrico espremido por destroços do edifício. Foi arguido que a formação de uma mistura incendiária de produtos de uso doméstico – guardados em diferentes locais das habitações – poderia ter sido resultado da destruição. É verdade, pode ter sido. Ocorre que há algo novo e muito importante nesse incêndio que os bombeiros não conseguiram apagar: a semelhança com o fogo de bateria de lítio, peça que impulsiona os novos carros elétricos. Os bombeiros se tornam, nos arredores do incêndio, espectadores com poder de evitar propagação do fogo, porque quanto ao
incêndio em si nada há a fazer a não ser testemunhá-lo. Não há ainda tecnologia disponível para apagá-los. Incêndios de baterias de lítio ardem até que a carga venha a se extinguir.
 

Cogitar-se de futuras ocorrências de desabamento de habitações multiresidenciais, o que pode passar a ser mais frequente com o envelhecimento dessas edificações, por conta de automóveis elétricos – com bateria de lítio – estacionados nas profundezas dessas construções, é um horror. Sobreviventes do choque mecânico da queda, encurralados em espaços intersticiais no monturo emque o prédio se transforma, já sofrem o extremo desconforto de absoluta escuridão, sem alimento e sem água. Calor de incêndios e fumaça tóxica queimando seus pulmões é tudo de que não precisam.
 

Não, a ideia de perseguir aos poucos, com imenso sofrimento e terror, a poucos que tenham escapado do impacto inicial e que, passados os efeitos imediatos do desastre, alimentem a chama da esperança, termina por ser uma brutalidade que excede a imaginação de Dante.
 

O mundo passa a se encher de carros elétricos exatamente numa época em que enfrenta ocorrências de desabamentos reforçados por deslizamentos que a Mudança Climática torna mais frequentes. As maravilhas dos carros elétricos vão sendo decantadas por interessados em mudar sem mudar. Deixar de lado os terrivelmente poluidores carros movidos por combustíveis fósseis para, em vez de reduzir seriamente a emissão de gases de efeito estufa, transferi-la para locais onde ficam longe da vista e dos sensores de poluição urbana, é o que melhor representam os carros elétricos. Infelizmente trazem outros problemas. Entre estes, o fogo inextinguível de suas baterias – enquanto
dure a carga elétrica.
 

O fogo nas profundidades dos escombros do prédio que caiu ter sido resultante de um carro elétrico destruído é mera hipótese. Futuros incêndios em escombros de prédios desabados, cuja frequência deve aumentar com o envelhecimento da crescente fração de prédios multipisos – que ultrapassaram a vida útil de projeto e com maior frequência de deslizamentos de terra – é uma dantesca previsão racional. 

 

DIAS, Adriano Batista; ARAÚJO, Tarcísio Patrício de. Carros Elétricos: da Maravilha ao Horror. Em: Será?, Recife, edição de 09.jul.2021. Disponível em: https://revistasera.info/2021/07/carros-eletricos-da-maravilha-ao-horror/ . Acessado em: 22.ago.2021.

 

quarta-feira, 24 de março de 2021

Aviação Agrícola tem avião Zero Carbono

A Mudança Climática traz mudança nos tempos e padrões de aplicação de defensivos. A aplicação usando o recurso da aviação agrícola continua sendo uma recomendada solução em várias situações, especialmente quando os terrenos estão encharcados, muitas vezes como resultado de excessiva precipitação. E a aplicação do defensivo torna-se de extrema urgência. Neste sentido, em muitas situações cresce a necessidade de uso da aviação agrícola para manter os padrões de produtividade agrícola necessários para o abastecimento da ainda crescente população global.

A aviação agrícola conta hoje com um recurso Zero Carbono, de alta produtividade. Trata-se do Ipanema, o primeiro avião de uso comercial Zero Carbono, que não contribui ao Aquecimento Global. Está certificado para vôo usando o álcool combustível.

Enquanto o mundo vê notícias sobre desejáveis aviões que possam ser Zero Carbono e o noticiário das grandes empresas midiáticas traz, com destaque, progressos que são tentativamente feitos nesta direção no Hemisfério Norte, no Hemisfério Sul o avião agrícola Ipanema, produzido pela Embraer S.A., continua aplicando defensivos usando tecnologia Zero Carbono testada e aprovada: álcool combustível, um combustível produzível com grande eficiência nas ensolaradas áreas tropicais.