segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Adaptação ao Aquecimento Global: Galileu e os novos galileus


Condenados. Assim foram Galileu e os cientistas que foram condenados por terem cometido homicídio doloso por não terem previsto um terremoto. Comungados por condenações absurdas. Galileu por discordar do conhecimento solidamente difundido à sua época, de que o sol girava em torno da Terra e por não comunicar previamente ao centro de poder da Igreja, para obter permissão à divulgação de sua discordância científica (o que, de qualquer forma, não lhe seria permitido). Onde, há séculos Galileu foi condenado, os condenados de hoje, o foram por não terem avisado à população da cidade de que um forte terremoto produziria dezenas de mortes caso não fugissem de seus lares no horário previsto.
Ouvidos cientistas sobre esta condenação, ocorrida neste mesmo mês de outubro de 2012, portanto, em pleno século 21, emergem criticas iluminantes. Ouça-se cientistas da área diretamente relacionada, como sismologia ou geologia, ou áreas indiretamente relacionadas, como teorias das decisões, ou algo bem diferente, a teoria do caos (tão diferentes quanto uma furadeira e um martelo) ouve-se em geral condenações à condenação. Um dos mais jovens ouvidos e com o alto nível de atrevimento que a juventude ainda não conteve, fez uma colocação que, se deixada de lado a questão ética, resumiu a ideia entre cientistas: quem trabalhar pesquisando, tentando avançar a capacidade de se prever terremotos, termina sendo condenado. Mesmo que por acaso acerte uma vez, não é possível ter a sorte de acertar duas vezes seguidas. Terminará sendo condenado por aterrorizar a população, produzindo um imenso desgaste e prejuízos econômico e psicológico sobre a população e logo sobre a cidade, por ter avisado um terremoto que não terá vindo a acontecer. Não há risco de uma condenação, ao longo de sua vida de pesquisador, há certeza probabilística. Ou seja, há acima de 99,5 % de probabilidade de que será condenado. Muito menor é um risco de um arrombador de caixa forte de um banco ou de um “trem pagador”. E assim terminou o atrevido jovem: a mensagem é clara, “em vez de ficar trabalhando honestamente esperando sua condenação, se aplicar o seu conhecimento em um meio ilícito de ganhar uma boa 'grana', conseguida em um só golpe, destas maior do que um cientista ganha ao longo de sua vida profissional, terá um risco substancialmente menor de efetiva condenação”. Depois, para evitar qualquer risco, vá pesquisar sismologia num país que não tenha convênios de extradição.

Mas a questão ética não pode ser deixada de lado. A afoita conclusão não representa bem a posição dos cientistas, que não deixam de lado a questão ética, mas expõe que tipo de lições podem ser extraídas de uma condenação absurda. E cabe a pergunta inspirada em Berthold Brecht (quem é violento, as águas revoltas de uma torrente ou as margens que a reprimem?), onde está o mal feito, na conclusão que fere a ética, ou na decisão que a impele?
A comunhão entre Galileu e os sismólogos condenados é, todavia, mais reduzida do que parece à primeira vista. A de Galileu veio, numa ainda não estabelecida regra da ciência, a de deixar desejadamente sob ataque, o mais sólido conhecimento científico. E Galileu estava atacando um conhecimento solidamente vinculado à interpretação teológica da época. A dos sismólogos condenados, no frigir dos ovos, veio por não terem o conhecimento que ninguém ainda tem, o de prever com exatidão, local e hora de terremotos. Faltou-lhes, então, fé, e faltou-lhes capacidade de perguntar ao Criador, de conhecimento global sobre a sua criação e, portanto, dos horários, locais e intensidade dos terremotos. Ateus ou incrédulos, ou, no mínimo, sem capacidade de comunicação com o Criador, são estes sismólogos. Sejam, então, condenados por homicídio doloso pelas mortes por não terem dado conhecimento da correta predição a que poderiam ter tido acesso. Seguramente esta, como ação de um tribunal de um estado, é uma justificativa obscurantista. Mas, quem sabe, forma a real racionalidade da decisão de condenação dos novos galileus. Como consequência da condenação, dizem o Globo: “O caso motivou a condenação de órgãos internacionais, como a União Geofísica Americana. Para ela, o risco de processo pode fazer com que cientistas desistam de aconselhar governos ou avaliar riscos sísmicos”; e o Estado de São Paulo: “Organismos científicos internacionais criticaram o processo contra os cientistas, argumentando que o risco judicial pode demover os cientistas de assessorar governos ou mesmo de trabalhar em campos como sismologia e avaliação de riscos sísmicos.”
Arrisca-se aqui uma lição da recente condenação relativa à Adaptação ao Aquecimento Global, ou, se queiram os leitores, relativa a Adaptação às Mudanças Climáticas ou aos Câmbios Climáticos. Caminha-se, com certeza, para um tempo de aumento das incertezas climáticas. Os eventos extremos se prometem mais numerosos. São desastres naturais de difícil previsão que evite completamente mortes de humanos ou pelo menos que evite prejuízos econômicos decorrentes de falha de previsão que os promotores julguem adequadas. A falta de segurança jurídica para os pesquisadores/profissionais da área certamente produzirá efeitos de redução de previsões, por precaução dos pesquisadores/profissionais, que, visando salvar a própria pele, em detrimento de prejuízo social, preferirão atuar em outras áreas do conhecimento, onde previsões não lhes sejam cobradas.
Mas, se a repulsa à condenação, produzida como reação a ela, contribuir a produzir um movimento que reduza a probabilidade de iguais condenações absurdas no futuro, se poderá dizer que o tribunal condenador tenha produzido um benefício à humanidade.

sábado, 20 de outubro de 2012

Carros e Adaptação ao Aquecimento Global

A uma primeira vista pode parecer que os automóveis estão vinculados apenas a questões de mitigação. Quanto mais eficientes os seus motores, menor a emissão de dióxido de carbono, e menor, portanto, para cada dada viagem, a contribuição ao Aquecimento Global (entendido que esteja considerado um combustível de origem fóssil; o uso do álcool, de origem agrícola, permite tomar como praticamente nula a emissão, dada que será absorvida no crescimento da cana de açucar para a produção de igual quantidade do combustível usado). Mas seja o motor mais eficiente ou menos eficiente, cada viagem de carro que possa ser alternativamente feita a pé ou de bicicleta, estará, pelo sedentarismo a que contribui, pesando contra a saúde do usuário. Este é um ponto relacionado à Adaptação ao Aquecimento Global. Enquanto o Aquecimento traz condições mais contrárias à saúde humana, uma ação que contribua a tornar o ser humano mais saudável representa uma ação cujo efeito se contrapõe ao do Aquecimento Global. Representa, portanto, uma ação de Adaptação. Por isto cabe analisar a questão do automóvel em nossa sociedade sob a ótica da Adaptação às Mudanças Climáticas.

O emprego do automóvel tem custos e vantagens que podem ser destacadas:
- vantagens individuais: maior velocidade nos deslocamentos, flexibilidade de horários e, muito relevante, mas muito raramente mencionada pelos donos dos veículos privados, a representação social (o dono de um modelo da BMW olha orgulhosamente para o dono de um ix90/3 da Hyundai. Este olha com desdém para o dono de um Linea da Fiat, com o pensamento que expressa uma sociedade ainda colonialista, dizendo para si mesmo, o meu é importado. O do Linea se pensa vitorioso ao olhar o Gol Trend, da Volks, ao lado do seu na garagem do prédio. O do Trend olha para o Uno Mille do outro vizinho e pensa: "- Coitado.". Aliviando, adiciona ao pensamento, pelo menos não está de bicicleta);
  • custos individuais: prestação, seguro, IPVA, gasolina, manutenção, contribuição negativa à saúde pelo acréscimo de sedentarismo,
  • custos sociais locais: a poluição do ar, a poluição sonora e efeito sobre a mobilidade, pois cada carro a mais nas ruas tira espaço de via dos demais carros, isto é, cada carro tem um custo social na forma de um pequeno impacto negativo na velocidade média dos demais ocupantes das vias (Deixa-se de mencionar vantagens por ser um exercício desafiador encontrar vantagens sociais locais para os carros) ;
  • vantagens sociais nacionais: os empregos diretos e indiretos mantidos por cada carro produzido por ano (Os analistas, em geral, não anunciam custos nacionais para uma indústria automobilística. Há outras vantagens de menor expressão, ou que assumem grande expressão, ainda maior do que a vantagem aqui relacionada, em momentos e condições específicas de uma nação, como foi o caso do ganho de conhecimento tecnológico industrial mecânico que representou a indústria automobilística brasileira durante sua expansão, no Governo Juscelino Kubtischek); e
  • custos sociais mundiais: a contribuição direta e indireta ao Aquecimento Global através da emissão de dióxido de carbono causada pela fabricação e uso do automóvel.

Com o crescente nível de renda, no Brasil e demais países em desenvolvimento cada vez mais consumidores vão entrando numa situação econômica em que um crescente número de seus cidadãos que avaliam as vantagens individuais de uso de carro privado para seus deslocamentos, descontados os custos privados, irão ultrapassar as vantagens das alternativas de uso dos transportes coletivos e outras porventura existentes para seus deslocamentos. Nestas condições, ampliar vias para evitar engarrafamentos conduz a que mais consumidores que vejam vantagens líquidas passem a gozá-las com a compra de carros, e fazendo com que os engarrafamentos voltem a existir. E que, assim, mais carros fiquem engarrafados. Ou seja, desafogam-se as vias e logo voltam a ficar engarrafadas.

Há uma forma de evitar que esta situação, de prejuízo para todos, se transforme numa inexorável situação. É difícil, mas não totalmente impossível o estabelecimento de uma situação em que haja carros nas ruas, haja o funcionamento da indústria automobilística, o que significa mais carros novos, e não haja engarrafamentos. É uma questão de deixar as viagens de carro serem liquidamente vantajosas em menor número de situações do que atualmente.

Vejamos. Para reduzir o uso individual do carro, passando o consumidor a optar por outras formas de deslocamento mais saudáveis, as vantagens líquidas de alguma opção devem ser aumentadas. Como a vantagem líquida é a vantagem traduzida em termos econômicos menos o custo, há aumento da vantagem líquida quando há aumento da vantagem, ou diminuição do custo, ou ambos. Assim, se tem diminuição do uso do carro quando o custo é aumentado ou o custo de alguma ou algumas das opções diminuído. Não é qualquer mudança de custos que resolve. Deve ser uma mudança suficientemente grande para mover muitos usuários de automóveis para outras opções.
Um constituinte do custo é o preço do combustível. O preço do combustível já é alto no Brasil. Mas, como o consumidor não tem a opção de importar combustível, tem que o comprar localmente, o custo pode ser aumentado. Uma boa dose de aumento de imposto incidente sobre os combustíveis usados pelos carros – gasolina e álcool, tende a reduzir o uso dos carros. Mais ainda se a receita adicional for usada para, de alguma forma, indireta que seja, subsidiar o transporte coletivo e a construção de ciclovias.

A vantagem de velocidade nos deslocamentos pode ser reduzida pela dificuldade em estacionar e pelo aumento do percurso entre o estacionamento e o destino final do viajante urbano. Meios fios amarelos, contribuem muito para fazer fluir o tráfego e, ao mesmo tempo, reduzir as vantagens de um deslocamento em automóvel particular. Tende a reduzir viagens mais curtas, que envolvem quarteirões, as quais passam a ter o deslocamento a pé como o mais racional. Uma política de incentivo a estacionamentos particulares viabiliza o uso de automóvel privado, mas, pagos que são, o encarece, elevando o custo de seu uso.

A bicicleta não é, no momento, para os donos de automóvel, vista como alternativa. É uma questão cultural. E a questão cultural é um fortíssimo fator orientando as opções, formando o valor econômico da vantagem. Mas a questão cultural pode ser mudada. Os empreendedores privados tem grande prática em fabricar necessidades nos consumidores, orientando-os a uma mudança cultural em que os seus produtos de tornam indispensáveis. Já dizia o grande economista Schumpeter, que cabe aos empresários “domar” os consumidores. Não é impossível aos governos, agindo de forma inteligente, mudar a disposição dos possuidores de automóvel a substituírem o carro pelas viagens em transportes coletivos, em bicicletas e pelas viagens a pé. Em viagens de até seis ou oito quilômetros a bicicleta é mais racional. Viagens de um ou dois quilômetros são confortavelmente feitas a pé. Havendo alternativas viáveis às viagens de carro, elas são deixadas de lado quando, dentro dos limites aceitos culturalmente, os custos privados da viagem de carro não a justificam, face a, pelo menos, uma das alternativas.

A valoração econômica das vantagens é fortemente influenciada por valores culturais, sabidamente muito resistentes a mudanças. Mas mudam sob a influência de fatores dirigidos a provocar mudança. Um firme esforço norteamericano substituiu a predominância das músicas do caribe, como componente externo da pauta de músicas ouvidas pelos brasileiros até os anos cinquenta, por ritmos estadunindenses que inundaram os sistemas sonoros no Brasil a partir dos anos setenta. Em relação às bicicletas temos, enfim, alguma mudança.

Na avaliação dos políticos as ciclovias começaram, enfim, a serem valorizadas. Mais informação sistemática em programas educativos e em reportagens na televisão comercial sobre a desgraça do sedentarismo e as vantagens de andar, a pé ou de bicicleta, favorecem à superação da ideia absurda de que os pés são instrumentos desenhados para serem usados apenas pelos pobres. É um espaço que vai se abrindo para que seja factível aos governos estabelecerem condições que venham a permitir a vantagem líquida do uso de automóveis privados ser reduzida de forma a ser pequena a fração de viagens realizadas por este meio socialmente irracional de transporte. Os carros poderiam continuar a ser demandados, comprados, estacionados em casa, etc. Continuariam um excelente instrumento de representação social, sua produção trazendo os reconhecidos benefícios sociais nacionais. E, já que os carros estariam pouco presentes no estacionamento do trabalho, os birôs poderiam ter a fotografia da(o) esposa(o), dos filhos e do indefectível carrão.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Adaptação ao Aquecimento Global – novamente questões conceituais



O relatório de atividades "Subsídios para uma agenda nacional de ciência, tecnologia e inovação relativa à vulnerabilidade, impactos e adaptação à mudança do clima", editado pelo CGEE em novembro/2009, conta com resultados de oficinas realizadas no CGEE com especialistas brasileiros no assunto. Expõe, em sua pagina 12, o conceito de Adaptação ao Aquecimento Global como "o ajustamento de sistemas naturais ou humanos, em resposta às mudanças climáticas reais ou esperadas, ou seus efeitos, o qual regula ou explora oportunidades benéficas".

Sente-se a falta no conceito acima da Adaptação também lidando com os efeitos maléficos das Mudanças Climáticas. Não se pode deixar de lado os tais efeitos maléficos pois são fortemente preponderantes nas regiões equatoriais. No Brasil, onde o estudo foi realizado e publicado, a região equatorial, tomada como se espalhando entre 15 graus de latitude Norte e quinze graus de latitude Sul, abrange os estados das regiões Norte e Nordeste, cobrindo cerca de dois terços da extensão territorial do brasileira. 

É preferível expressar o conceito de Adaptação como “todas as ações destinadas a lidar com os efeitos das Mudanças Climáticas, seja para explorar oportunidades benéficas ou para reduzir vulnerabilidades”, pois, além de levar em conta a exploração de oportunidades benéficas,tal como no documento acima citado, se está, também, levando em conta as ações para minimizar os muitas vezes devastadores efeitos maléficos.