Condenados. Assim foram
Galileu e os cientistas que foram condenados por terem cometido
homicídio doloso por
não terem previsto um terremoto. Comungados por condenações
absurdas. Galileu por discordar do conhecimento solidamente
difundido à sua época, de que o sol girava em torno da Terra e por
não comunicar previamente ao centro de poder da Igreja, para obter
permissão à divulgação de sua discordância científica (o que,
de qualquer forma, não lhe seria permitido). Onde,
há séculos Galileu foi condenado, os condenados de hoje, o foram
por não terem avisado à população da cidade de que um forte
terremoto produziria dezenas de mortes caso
não fugissem de seus lares no horário previsto.
Ouvidos cientistas
sobre esta condenação, ocorrida neste mesmo mês de outubro de
2012, portanto, em pleno século 21, emergem criticas iluminantes.
Ouça-se cientistas da área diretamente relacionada, como sismologia
ou geologia, ou áreas indiretamente relacionadas, como teorias das
decisões, ou algo bem diferente, a teoria do caos (tão diferentes
quanto uma furadeira e um martelo) ouve-se em geral condenações à
condenação. Um dos mais jovens ouvidos e com o alto nível de
atrevimento que a juventude ainda não conteve, fez uma colocação
que, se deixada de lado a questão
ética, resumiu a ideia entre cientistas: quem trabalhar pesquisando,
tentando avançar a capacidade de se prever terremotos, termina sendo
condenado. Mesmo que por acaso acerte uma vez, não é possível ter
a sorte de acertar duas vezes seguidas. Terminará sendo condenado
por aterrorizar a população, produzindo um imenso desgaste e
prejuízos econômico e psicológico sobre a população e logo sobre
a cidade, por ter avisado um terremoto
que não terá vindo a acontecer. Não há risco de uma condenação,
ao longo de sua vida de pesquisador, há certeza probabilística. Ou
seja, há acima de 99,5 % de probabilidade de que será condenado.
Muito menor é um risco de um arrombador de caixa forte de um banco
ou de um “trem pagador”. E assim terminou o atrevido jovem: a
mensagem é clara, “em vez de ficar
trabalhando honestamente esperando sua condenação, se aplicar o seu
conhecimento em um meio ilícito de ganhar uma boa 'grana',
conseguida em um só golpe, destas maior do que um cientista ganha ao
longo de sua vida profissional, terá um risco substancialmente menor
de efetiva condenação”. Depois, para evitar qualquer
risco, vá pesquisar sismologia num país que não tenha convênios
de extradição.
Mas a questão ética não pode ser deixada de lado. A afoita conclusão não representa bem a posição dos cientistas, que não deixam de lado a questão ética, mas expõe que tipo de lições podem ser extraídas de uma condenação absurda. E cabe a pergunta inspirada em Berthold Brecht (quem é violento, as águas revoltas de uma torrente ou as margens que a reprimem?), onde está o mal feito, na conclusão que fere a ética, ou na decisão que a impele?
Mas a questão ética não pode ser deixada de lado. A afoita conclusão não representa bem a posição dos cientistas, que não deixam de lado a questão ética, mas expõe que tipo de lições podem ser extraídas de uma condenação absurda. E cabe a pergunta inspirada em Berthold Brecht (quem é violento, as águas revoltas de uma torrente ou as margens que a reprimem?), onde está o mal feito, na conclusão que fere a ética, ou na decisão que a impele?
A comunhão entre
Galileu e os sismólogos condenados é, todavia, mais reduzida do que
parece à primeira vista. A de Galileu veio, numa ainda não
estabelecida regra da ciência, a de deixar desejadamente sob ataque,
o mais sólido conhecimento científico. E Galileu estava atacando um
conhecimento solidamente vinculado à interpretação teológica da
época. A dos sismólogos condenados, no frigir dos ovos, veio por
não terem o conhecimento que ninguém ainda tem, o de prever com
exatidão, local e hora de terremotos. Faltou-lhes, então, fé, e
faltou-lhes capacidade de perguntar ao Criador, de conhecimento
global sobre a sua criação e, portanto, dos horários, locais e
intensidade dos terremotos. Ateus ou incrédulos, ou, no mínimo, sem
capacidade de comunicação com o Criador, são estes sismólogos.
Sejam, então, condenados por homicídio doloso pelas mortes por não
terem dado conhecimento da correta predição a que poderiam ter tido
acesso. Seguramente esta, como ação de um tribunal de um estado, é uma justificativa obscurantista. Mas,
quem sabe, forma a real racionalidade da decisão de condenação dos
novos galileus. Como consequência da condenação, dizem o Globo:
“O caso motivou a condenação de órgãos internacionais, como a
União Geofísica Americana. Para ela, o risco de processo pode fazer
com que cientistas desistam de aconselhar governos ou avaliar riscos
sísmicos”; e o Estado
de São Paulo: “Organismos científicos internacionais
criticaram o processo contra os cientistas, argumentando que o risco
judicial pode demover os cientistas de assessorar governos ou mesmo
de trabalhar em campos como sismologia e avaliação de riscos
sísmicos.”
Arrisca-se aqui uma
lição da recente condenação relativa à Adaptação ao
Aquecimento Global, ou, se queiram os leitores, relativa a Adaptação
às Mudanças Climáticas ou aos Câmbios Climáticos. Caminha-se,
com certeza, para um tempo de aumento das incertezas climáticas. Os
eventos extremos se prometem mais numerosos. São desastres naturais
de difícil previsão que evite completamente mortes de humanos ou
pelo menos que evite prejuízos econômicos decorrentes de falha de
previsão que os promotores julguem adequadas. A falta de segurança
jurídica para os pesquisadores/profissionais da área certamente
produzirá efeitos de redução de previsões, por precaução dos
pesquisadores/profissionais, que, visando salvar a própria pele, em
detrimento de prejuízo social, preferirão atuar em outras áreas do
conhecimento, onde previsões não lhes sejam cobradas.
Mas, se a repulsa à
condenação, produzida como reação a ela, contribuir a produzir um
movimento que reduza a probabilidade de iguais condenações absurdas
no futuro, se poderá dizer que o tribunal condenador tenha produzido
um benefício à humanidade.