sábado, 18 de abril de 2020

Covid-19 e lições de Adaptação: diferentes apresentações de dados estatísticos de acordo com diferentes fins desejados



Algo extremamente simples como uma simples divisão pode ter importância desmedidamente grande, relativamente à sua extrema simplicidade. Vejamos. Reações a condições intensamente adversas são melhor conduzidas quando todos os cidadãos entendem bem o quadro diante do qual estão postos. Seja por conta de um evento extremo trazido pelo Aquecimento Global, seja por uma pandemia.  Assim uma observação sobre apresentação de dados estatísticos de forma mais favorável a uma melhor capacidade da população apreender o seu significado é válido em ambas as situações.

No momento temos uma pandemia, a do covid19. O isolamento social é aplicado a grande maioria dos habitantes desta Terra. A população está assustada, o que a torna atenta e ávida por informação relevante e de fonte garantida. Eis que o Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (Cievs) da Prefeitura de Recife, aquela cidade da costa Leste do Nordeste brasileiro, onde meio século atrás se costumava, como chiste, dizer que seus dois rios, o Capibaribe e o Beberibe se juntavam para formar o Oceano Atlântico e por extensão, os demais mares e oceanos,  oferece informação sobre o andamento  do número de contaminados pelo Covid19. Para fins de comentário, destacamos um número mínimo de bairros entre os constantes da lista apresentada no dia 07/04/2020.

Número de contaminados:

Boa viagem: 27
Torre: 11 
Graças: 7
Espinheiro: 5

São bairros de relativa alta renda per capita, tendo principalmente recebido o vírus incorporado em moradores que chegaram de viagens à Europa e adjacências culturais. O vírus ainda está circulando mais fortemente em bairros de relativa alta renda per capita. Mas, infelizmente, por contaminação comunitária, é difícil que se evite terminar o vírus batendo na porta dos que já carregam as dívidas social e educacional do Brasil.

Os dados de número absoluto de contaminados por bairro podem fornecer uma certa ideia do risco de contaminação, quando do uso de serviços de facilidades do espaço urbano, como padarias, farmácias e os indispensáveis supermercados, na suposição de sejam em igual número nos bairros considerados. É uma suposição fraca. De maior conexão com o mundo real é a suposição de que estes equipamentos urbanos são em número proporcional às populações dos bairros, quando o número de contaminados relativamente à população do bairro ganha importância.

Com dados em termos de número absoluto de contaminados foi publicada de matéria, em site de jornal nacional, ao título: Boa Viagem  e  Torre lideram confirmações de coronavírus no Recife. E, embora a consideração do número absoluto de casos por bairro não traduza a melhor ideia do risco, ela está sendo usada 
                                       "para que a equipe de saúde da cidade entenda os
                                        casos e realize a vigilância dos bairros"

O perigo existente em cada bairro, em condição de coeteris paribus, não é fornecida pelo número absoluto de casos, como na informação apresentada pela Prefeitura, pois os bairros são muito diferentes quanto às suas populações e outras variáveis relevantes para análise de contaminação. O próprio site da Prefeitura de Recife apresenta, em outra área, as populações destes bairros, segundo o número de habitantes registrado no censo de 2010, sendo:

Boa Viagem:  122.922
Graças:            20.538
Torre:              17.903
Espinheiro:     10.438
 

A informação em termos de contaminados por cada 10.000 habitantes em cada bairro, ou outro indicador que seja, relativizando o número de contaminados à população, é sensivelmente mais relevante do que o número absoluto de contaminados (discussão de conteúdo técnico é apresentada em um texto, Propriedades Gerais dos Índices de Desigualdade da Distribuição Regional de Valores Médios de um Atributo, concernente a leitores interessados nos domínios da Estatística).

Em termos de número de contaminados por cada 10.000 habitantes,tem-se:

Torre:            6,1
Espinheiro:   4,8
Graças:         3,4
Boa Viagem: 2,2

Assim apreciada a informação, Boa Viagem não lidera os casos de contaminação. A densidade de contaminação na Torre é praticamente 3 vezes a de Boa Viagem. Os dados estatísticos em termos relativos, trabalhando com os dados absolutos e as populações tomariam, para serem calculados, um certo tempo em termos de número de homem x minutos. Este tempo se reproduz para cada leitor que deseje conhecer a informação mais relevante, em termos de densidade populacional. Poupa-se este tempo adicional de cálculo de cada interessado se a informação for apresentada de forma mais adequada.

Mas a Prefeitura de Recife não está sozinha em apresentar dados de frequência absoluta por unidades territoriais. Organizações mundiais e organizações de países desenvolvidos, dos governos e até de centros técnicos científicos, além de requintados meios de divulgação, assistidos por equipes de estatísticos e de doutores em estatística usam com frequência  apresentar, por exemplo, a emissão de gases de efeito estufa entre os países em termos absolutos, não importando se pelo Vaticano, o menor país do mundo, por Mônaco, o segundo menor, ou se pelo Brasil. Assim, apresentam a China como o maior poluidor em nível mundial e o Brasil como um grande poluidor, quando na realidade a emissão per capita da China está abaixo dos dez mais intensamente poluidores, e a do Brasil é tão baixa, que se a emissão per capita mundial fosse igual à brasileira, a Terra estaria muito longe do momento que se se poderia começar a ser perceptível o Aquecimento Global. Afinal de contas, na matriz de energia elétrica brasileira, 83% é a contribuição das fontes renováveis, a tendo a hidrelétrica a participação de 68,3%. Mas a meios de divulgação, jornais e empresas de televisão, expõem com ênfase a informação estatística que é verdadeira, é apresentada de forma inadequada, fazendo crer que os brasileiros são grandes poluidores e devem embarcar em medidas de custo econômico, alto que seja, e desistir de aproveitar oportunidades que a evolução da economia abre, para ajudar a mitigar um fenômeno que outros causaram com emissões acumuladas mais de uma dezena de vezes maior do que a per capita brasileira. 

A  própria BBC, agência de notícias britânica, independente do governo, não deixa de ser britânica. Assim compreende-se que apresente as mortes por covid19 só em termos do total em cada país que aborde, como em 25 de abril de 2020, quando anuncia 20 mil mortos na Inglaterra e 50 mil nos Estados Unidos. Impactante que seja a estatística norte-americana é mais leve do que a inglesa. Levando em conta que as populações são de 67 milhões para o arquipélago e 328 milhões nos US, são 152 mortes por milhão de habitantes nos Estados Unidos e 298 por milhão de habitantes no Reino Unido. Esta mesma agência de notícias, não se sabe se por alguma razão de interesse ou qual motivo, enfim, apresenta o Brasil, nesta segunda semana de maio de 2020, como o foco do covid-19 na América do Sul, por ter um total de 147 mil casos, o maior número de casos desta região. Mas o Brasil tem 695 casos por milhão de habitantes, segundo os dados oficiais. E o seu vizinho Peru, tem 1.252 contaminados por milhão de habitantes, usando dados  de mesma natureza, oficiais. Afinal, quem é o foco, o Brasil ou o Peru?

A Prefeitura de Recife não tem razão política para apresentar o bairro de Boa Viagem como o mais perigoso e o Espinheiro como menos, entre os 4 que aqui consideramos. Portanto, diferentemente de organizações que têm interesses geopolíticos específicos, nada impede que adicione um pouco mais de esforço e apresente os dados em pauta em termos mais relevantes, servindo melhor aos que vão apreciar seus dados de contaminados:  contaminados por cada 10.000 habitantes, ou apresentação equivalente.






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