sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

A dimensão da Seca





A Seca é um dos eventos extremos a se tornar mais frequente e mais intenso ao longo do avanço do processo do Aquecimento Global. Daí a importância de que sejam conhecidas, por todos, a extensão e intensidade das dimensões da Seca. Tal conhecimento dá a idéia sobre os custos da não adaptação a este fenômeno, que se espraia em muitas partes do nosso planeta e tende a se tornar mais frequente e mais intenso como desastre natural.

A Seca é bem conhecida pelos habitantes do semiárido brasileiro. Ao longo da História   praticamente não há habitante do semiárido que na sua vida não tenha sido exposto algumas vezes ao fenômeno da seca e a pelo menos a uma das terríveis grandes secas (excluidos, obviamente os que tenham tido morte prematura). E é fortemente presente na literatura nacional brasileira (SCOVILLE,2014). Tudo isto antes que o fenômeno venha a ser intensificado pelo Aquecimento Global.

A primeira notícia sobre seca foi descrita pelo padre Fernão Cardin, referindo-se à seca de 1583-1585 (Isto mesmo, não é erro de digitação, foi há quatro séculos e meio atrás. A princípio o fenômeno passaria despercebido pelos portugueses, pois começaram a ocupação pelo litoral do Nordeste, uma região úmida, hoje chamada Zona da Mata, que se estende até cerca de 5 dezenas de quilômetros (três dezenas de milhas) para o oeste das praias. Só notariam as secas quando na expansão da invasão, se adentraram para oeste da Zona da Mata. Nesta primeira seca notada pelos portugueses chegaram aos territórios por eles conquistados cerca de cinco mil índios, expulsos do semiárido pela brutalidade do fenômeno atmosférico (CEPED. 2015).

Século e meio depois a seca volta a ser objeto de atenção e de uma forma tão pouco racional que evoca uma situação de desespero:



A irracionalidade do pedido vem por conta do destino que teriam os escravos que viessem substituir os que morreram de fome. Na medida em que a causa das mortes, a seca, não tinha sido removida, os novos escravos estariam expostos à mesma condição que tinha causado as mortes. Iriam somente ampliar a lista dos mortos.

A sequência de secas, presente na forma extrema em todos os séculos da história do Nordeste (BARRETO, 2009) gera “uma triste história em que a morte rondou diuturnamente a vida dos sertanejos”(VILLA, 2000, p.13), bastando considerar que nos séculos XIX e XX as vítimas fatais foram em torno de três milhões de pessoas, um número assaz elevado, considerando a baixa densidade populacional do semiárido ao longo deste período. Uma única seca, a de 1877-1879, sem dúvida uma das mais terríveis, teria dizimado cerca de 4% da populaçãonordestina (MARTINEZ, 2002) (Note-se que a população exposta à seca era bem menor do que a população da região litorânea. O percentual de mortos na região interiorana, exposta à seca, foi muitas vezes maior.).

A seca severa que atingiu o Nordeste de 2012 a 2016, afetando uma população de 33,4 milhões de pessoas, só entre 2013 e 2015 causou um prejuízo de R$ 103,5 bilhões (cerca de 30 bilhões de dólares). Foi o levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios - CNM, com dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres.
Note-se que não são computados os custos humanos, como os representados pela subnutrição e seus efeitos e pelos efeitos do consumo de água imprópria.

Todos os desastres naturais do país, também entre 2013 e 2015, causaram prejuízo de R$ 173,5 bilhões. Ou seja, 60% do prejuízo no Brasil com todos os eventos extremos se concentraram pela falta de chuva no Nordeste, numa região onde a água é um fator limitante ao desenvolvimento (SUASSUNA, 2009).

O levantamento aponta que todos os desastres naturais do país, entre 2013 e 2015, causaram prejuízo de R$ 173,5 bilhões. Ou seja, 59,7% do prejuízo no Brasil com todos os eventos extremos se concentraram na falta seca no Nordeste, o qual representa apenas 18,9% da área do país (MADEIRO, 2016).

Os prejuízos computados envolvem grande parte da safra, perda de grande parte do rebanho, especialmente de bovinos, perda de pastagens. Mas há também o uso predatório de plantas da caatinga para alimentação animal e a morte de espécies nativas, adicionais aos custo humanos.

Diferentemente das secas históricas de proporções épicas nos séculos anteriores, nesta  atual não se observou o êxodo em massa da população, nem houve morte de pessoas por fome e sede. Isso se deve em parte às políticas assistenciais como o Bolsa Família. O sistema viário e uso de caminhões para transporte de água viabilizam a distribuição de água para necessidades vitais.



Referências

BARRETO, Pedro Henrique (2009). História - Seca, fenômeno secular na vida dos nordestinos. Desafios do Desenvolvimento. Brasília: 6(48). Disponível em: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1214:reportagens-materias&Itemid=39. Acesso em: 02.fev.2017.

CAMPOS, José Nilson B. Secas e políticas públicas no semiárido: ideias, pensadores e períodos. Estudos avançados 28 (82) 2014.

Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil - CEPED (2015).
1583/2012: Histórico de Secas no Nordeste do Brasil. Disponível em:

MARTINEZ, Paulo Henrique (2002). Resenha de VILLA, Marco Antonio (2000). Vida e morte no sertão: história das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São Paulo: Ática. Revista Brasileira de História, 22(43):251-254. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v22n43/10922.pdf. Acesso em: 06.fev.2017.
Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, Série Debates n° 24.

MADEIRO, Carlos (2016). Em 3 anos, seca severa no Nordeste causa prejuízo de R$ 103,5 bilhões. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/11/23/em-3-anos-seca-severa-no-nordeste-causa-prejuizo-de-r-1035-bilhoes.htm. Acesso em: 06.fev.2017.

SCOVILLE, André Luiz Martins Lopez de (2011). Literatura das Secas: Ficção e História. Curitiba: UFPR. [Tese de doutorado]. Disponível em: thtp://acervodigitJal.ufpr.br/bitstream/handle/1884/26633/Andre%20Scoville%20-%20Tese%20Literatura%20das%20secas%20-%20versao%20final.pdf?sequence=1. Acesso em: 03.fev.2017


SUASSUNA, João (2002) . Água - Um Fator Limitante para o Desenvolvimento do Nordeste? In: HOFEISTER, Wilhelm. Água e Desenvolvimento Sustentável no Semi-Árido. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, Série Debates n° 24, p.117-130. Disponível em: http://www.kas.de/wf/doc/kas_11769-544-5-30.pdf. Acesso em: 03.fev.2017

VILLA, Marco Antonio (2000). Vida e morte no sertão: história das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São Paulo: Ática.

Revisto em 24.04.2017

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