Por
os pontos nos “i”s é um ditado usado em algumas partes do
Brasil. Conduz o espírito de: corrigir exageros, desfazer
interpretações equivocadas. Pois vamos tentar colocar alguns pontos
em alguns “i”s em “Água é tudo: Uma sentença sem “i”s”.
Numa entrevista de sucesso na última segunda-feira,
8 deste janeiro de 2018, na TV Cultura, Brasil, foi feita
a propaganda de um
livro onde se propõe a solução
adotada em Israel, cerca do Trópico de
Câncer, para um mundo
com sede de
água.
Temos muito que aprender com Israel. Mas também temos muito que
lucrar analisando soluções dadas a problemas análogos aos nossos
em outras nações, inclusive as mais atrasadas do que nós. Todos os
exemplos do exterior tem de ser vistos sob um olhar crítico para
assegurar a adequação da imitação. Em que condições e em qual
área das tão variadas que o Brasil apresenta. Neste sentido,
ajudando a formar uma visão crítica, vão postos aqui comentários
sobre a entrevista. Há vários “i”s e vários pontos a serem
colocados. Para tal vamos comparar, no que diz respeito à
aplicabilidade no Brasil, o dito pelo entrevistado, relativo ao seu
livro com outro livro, este uma
obra coletiva que resulta de contribuições de 175 pesquisadores
agropecuários do Norte e Nordeste do Brasil e outra obra, esta
individual, de Andrade, publicada pela Embrapa, dirigida
especificamente à seleção de modos de uso de água em cultivos,
sem deixar de reconhecer a atinência ao assunto, de ainda outra
obra, esta relacionada a adoção de exemplos externos, onde a
semiaridez traz a idéia de semelhança entre áreas geográficas
distintas sob outros parâmetros.
O
entrevistado evocou a grande responsabilidade dos cultivos agrícolas
no consumo de água. E água, para ele, não é um problema. É “o”
problema. Assim nada como seguir o exemplo do país modelo, qual seja
a irrigação por gotejamento. Neste sentido, cabe atenção ao que
lembra Suassuna no tocante a transpor para aplicar no Brasil
experiências agrícolas exitosas alhures, mesmo quando assistidas
por experientes assessores, de grande conhecimento sobre o uso do
sistema de irrigação em áreas de onde está sendo copiado, onde
aprenderam a usar em irrigação até as um tanto salinas águas do
Rio Jordão. Suassuna
(1.999) se refere aos primeiros polígonos de irrigação nos
tempos iniciais da Superintendência de Desenvolvimento do Nordete,
em meados dos anos sessenta do século passado:
foram desenvolvidos esforços na
região Nordeste, no sentido de aplicar tecnologias apropriadas
provenientes de Israel - país com larga experiência na prática
irrigacionista - para assegurar o sucesso na implantação dos
chamados perímetros irrigados, sob a responsabilidade do Governo
Federal. No entanto, esse investimento técnico, com a participação
de especialistas em irrigação, parece não ter obtido o êxito
esperado. Estima-se que 1/3 da área de tais perímetros veio a
apresentar problemas de salinidade nos solos. A principal causa dos
insucessos verificados foi devida, provavelmente, à enorme diferença
de latitude existente em ambas as regiões, a qual não foi
considerada pela assessoria técnica convidada. Por tratar-se de uma
região com elevada latitude (Jerusalém tem uma latitude de 31° 47’
norte), as diferenças climaticas e geológicas, tornam distintos, de
forma significativa, os ambientes das citadas regiões. A
evapotranspiração em Israel é inferior à existente na nossa
região, pelo fato de os raios solares, em latitudes elevadas,
incidirem no solo de forma obliqua. Este fenômeno também interfere
diretamente na diminuição da temperatura média anual israelense,
sendo um dos principais fatores para a ocorrência de neve nos
invernos. Já na região Nordeste, por apresentar uma latitude menor
(Recife tem uma latitude de 08° 06" sul), a evapotranspiração
é mais acentuada, devido à incidência perpendicular dos raios
solares no solo (algumas regiões do Nordeste semi-árido chegam a
evapotranspirar cerca de 7 mm/dia). Ao contrário do que ocorre em
Israel, no Nordeste as temperaturas médias anuais são
significativamente mais elevadas, não havendo, por consequência, a
ocorrência de neve nos invernos. Em termos geológicos, as regiões
apresentam tipos estruturais bem distintos. Em Israel inexiste o
embasamento cristalino - ao contrário do que ocorre no Nordeste
semi-árido brasileiro - o que torna a drenagem dos seus solos mais
fácil de ser realizada e o problema de salinidade mais tranqüilo de
ser contornado. Dessa forma, constitui-se um erro crasso tentar-se
fazer comparações entre a irrigação bem sucedida que é praticada
nos solos arenosos de Israel, e isso é um fato inconteste, com
aquela irrigação problemática realizada no embasamento cristalino
nordestino, com os condicionantes climáticos envolvidos.
As diferenças de solo, de sua
natureza e de sua latitude, estão longe de esgotar as variáveis
fundamentais para escolha correta de um sistema de irrigação. O
gotejamento, colocado pelo entrevistado como o sistema racional de
irrigação é um modo de irrigação realmente fenomenal. Seria “a”
solução para conter o consumo de água em irrigação? Quando se
trata de fruteiras, provavelmente sim. Mas imagine colocar um ponto
de gotejamento em cada pé de soja. Decididamente não parece uma boa
idéia. Não só pelo custo que teria, como pelo fato da soja não
apresentar boa resposta à irrigação, razão pela qual é
tradicionalmente cultivada em regime de sequeiro:
O
efeito da irrigação na produtividade das culturas é variado.
Muitas culturas apresentam boa resposta à irrigação, outras, como
a soja, apresentam pequena resposta e não são tradicionalmente
irrigadas. Espécies frutíferas e hortaliças, via de regra,
respondem bem à irrigação (ANDRADE,
2003, p.4).
Não
há uma solução geral, por mais exitosa que seja em determinadas e
específicas circunstâncias. Gotejamento é um tipo de irrigação
localizada e este tipo geral de irrigação merece uma observação
de ordem econômica:
na
irrigação localizada o custo inicial é relativamente alto, sendo
recomendado para culturas de elevado valor econômico e maior
espaçamento entre fileiras de plantas. É um método que permite
elevado grau de automação, o que requer menor emprego de
mão-de-obra na operação (ANDRADE, 2003, p.10).
A
racionalidade exige uma seleção segundo critérios técnicos
envolvendo considerações econômicas, à margem das emoções
criadas pelo bom domínio da oratória. Por mais boa vontade de que
seja carregada uma santa recomendação, o que é bom para A nem
sempre é bom para B.
A
seleção do sistema de irrigação mais adequado é o resultado do
ajuste entre as condições existentes e os diversos sistemas de
irrigação disponíveis, levando-se em consideração outros
interesses envolvidos. Sistemas de irrigação adequadamente
selecionados possibilitam a redução dos riscos do empreendimento,
uma potencial melhoria da produtividade e da qualidade ambiental
(ANDRADE, 2003, p.17).
A
problemática da produção agropecuária, não se resume à questão
da água. Como bem colocou Andrade, a soja, o maior produto
agropecuário de exportação atualmente do Brasil, tem pequena
resposta à irrigação, sendo produzida tipicamente em regime de
sequeiro. Pois bem, o Brasil dobrou a sua produção de soja desde
que passou a utilizar as terras do cerrado, que antes da Embrapa, não
serviam para a produção deste cereal, sendo para muitos,
consideradas como terras não agricultáveis. Esta soja brasileira
cultivada tipicamente em sequeiro, sem irrigação de qualquer tipo,
representa algo ponderável do ponto de vista econômico. A produção
deste único produto soja, alcança no Brasil mais de um terço do
valor de toda a produção agropecuária da França, a maior nação
produtora agropecuária dada Europa e tem valor amplamente maior do
que o da produção agrícola da média dos 19 países
latinoamericanos. 1
Uma
visão equilibrada de como avançar na contribuição à segurança
alimentar do mundo esteve presente nos dias da Embrapa desde sua
fundação em 1973. Para fazer frente ao futuro, marcado pelas
Mudanças Climáticas, que trazem problemas para a sustentação das
atividades agropecuárias também fora da direta preocupação com a
escassez de água, vem uma visão também equilibrada, de 175
pesquisadores agropecuários do Norte/Nordeste do Brasil.
A
Adaptação para ser efetiva necessariamente deve ser conduzida pela
pesquisa em diversas áreas do conhecimento da produção
agropecuária. [...] É com a necessária diversidade que há
sistemático trabalho, embora insuficiente, de ampliação do
conhecimento direcionado a conduzir a uma convivência racional com
os padrões climáticos do semiárido, atuais e futuros (DIAS;
SUASSUNA, 2016).
O
trabalho sistemático na direção da Adaptação/Convivência com a
Seca tem resultado num crescente acervo de conhecimento onde se vê
grande apoio à produção irrigada. Não deixa inteiramente a
descoberto a produção de sequeiro, exposta aos rigores e incertezas
do clima. Mas há reclamos de relativamente maior insuficiência de
pesquisa para este setor. A área onde há cultivo de sequeiro,
note-se, é muitas vezes maior, em extensão e em população, do que
a irrigada, limitada esta pela escassez de água disponível. (DIAS;
SUASSUNA, 2016).
Se
preocupam com os efeitos diretamente advindos da elevação das
temperaturas, para os quais as plantas devem se adaptar. Em Israel,
efeitos diretos do Aquecimento Global podem lhe ser atribuídos já
produzirem baratas mais bem crescidas, comentadas por Leibovitz
(2017) numa matéria com sugestivo título “Israeli Scientists:
Global Warming Gives Cockroaches Superpowers”. Lá mesmo podem ser
contabilizados como efeitos diretos surtos de contaminação de
patógenos em pescados, comentado por Paz
et al (2007), em artigo científico com título “Climate change
and the emergence of Vibrio vulnicus disease in Israel”.
A
Adaptação, por seu turno, bem mais complexa do que cuidar bem do
uso da água, não deve prescindir dos cuidados, para correta
apropriação das adaptações desenvolvidas pela própria natureza,
reclamados por Nevo
(2012) em “ Evolution of wild cereals during 28 years of
global warming in Israel”.
A
leitura do que foi colocado pelos 175 pesquisadores reforça a
posição de Nevo. As adaptações da natureza devem prover
informação genética a ser usada no desenvolvimento de cultivares
mais resilientes. Mas a pesquisa agropecuária deve ser, segundo
eles, mais abrangente. Não se pode deixar de lado nenhuma das áreas
de pesquisa atual, nem fazer concessões à qualidade: o manejo do
solo, da água, dos cultivos, têm de ser devidamente adaptados. A
complexidade da pesquisa não diminui, ao contrário, aumenta.
Segundo eles, em certas situações cabe aumentar a resistência a
temperaturas mais altas, em outras, aumentar a resistência ao stress
hídrico, em outras, aumentar a resistência a eventuais excessos de
umidade e assim por diante.
A
importância das questões da Adaptação ao Aquecimento Global, ou
às Mudanças Climáticas, se assim o preferir o leitor, varia de
acordo com a situação de cada área geográfica. Há países que
vivem uma situação crítica em relação à água. Como típico em
vastas áreas da Terra, vivem em situação crítica em relação à
água, compartilhando, como Israel, rios minguantes com vizinhos
sedentos (SNIR,
2006?; OECD,
2013; RADFORD,
2017; RAJSEKHAR;
GORELICK, 2017). O Brasil, por outro lado, tem grandes
aquíferos, grandes volumes de água potável. Seria ridículo
aconselhar a um índio na amazonia a poupar água no seu banho. A
torneira, ele sequer pode fechar. Toma banho imerso numa banheira
relativamente infinita, o rio Amazonas. Há mais disputas potenciais
por água internamente, entre os estados brasileiros, do que entre o
Brasil e seus vizinhos. São disputas, como a que houve entre os
estados da região Nordeste do Brasil ao sul das águas do Rio São
Francisco que, embora insuficiente para eles, dispoem das suas águas
para dessedentação e irrigação, e os estados nordestinos ao
norte, que passariam a também dispor delas se executado o projeto da
transposição. O projeto está sendo executado. Está avançado em
execução, embora tão atrasado que, pelo cronograma, já estaria,
de há muito tempo funcionando plenamente. Foi um conflito interno,
resolvido politicamente.
Mas
a grande diferença entre Israel e Brasil não é geográfica, nem de
disponibilidade hídrica, com suas implicações. A grande diferença
está num atributo populacional. É o alto e bem distribuído nível
de educação de Israel e o desastroso baixo nível médio de
educação populacional do Brasil.
Neste
sentido, cabe observar a educação populacional, em ademais de sua
função de apoiar a cidadania, ser um insubstituível meio para
efetiva assimilação de novas técnicas. E, neste aspecto, é de
pouca valia a educação voltada para a fabricação de estatísticas
educacionais e sim a educação generalizada de alta qualidade, a
qual, por enquanto, é sonhada. Mas, para que o benefício da
Adaptação seja alcançado, a elevação da qualidade da educação
ministrada e de sua extensão deve ser implementada com velocidade
maior do que a do agravamento dos efeitos das Mudanças Climáticas
(DIAS;
SUASSUNA, 2016).
Deve-se
olhar com atenção como Israel trata as questões da água. Mas
deve-se olhar com mais atenção ainda como Israel trata a questão
da Educação. Tê-la como benchmark imediato.
O teste PISA apresentou em 2005 para os jovens de 15 anos, como
conhecimento em matemática, necessário para a vida moderna, um
nível médio de 377 no Brasil (OECD 2018a), 470 em Israel (OECD 2018b) e 564 em Singapura.
Mesmo um índice defasado de significado de potencial econômico como
o IDH, que dá ênfase a questões quantitativas de alfabetização,
apresenta o Brasil com atraso de mais de 25 anos em relação a
Israel. Certamente tem seus benchmarks. Segui-lo
nesta questão da Educação, estreitando as diferenças
simultaneamente nos testes PISA e no IDH é um desafio ao que o
Brasil não de pode furtar de seriamente perseguir, como política
maior para se potencializar à Adaptação ao Aquecimento e superação
de suas consequências.
1 Depreende-se
de IBGE
(2017), Embaixada
da França no Brasil (2018) e
Ferreira
(2016, p.4442). A taxa de
câmbio usada foi R$ 4,00 = 1,00 EU.
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