sexta-feira, 30 de março de 2018

Adaptação, Patentes e o poder de cura do açucar

Os efeitos do Aquecimento Global são causadores de stress social. Vítimas de desastres quando são indenizadas têm, como norma geral, parte do prejuízo atenuado, mas outra parte não tem indenização. Saem prejudicadas por algo que não causaram. Pense nos fazendeiros que em Santa Catarina, cerca de dez anos atrás, após fortes tempestades com muito pesadas precipitações perderam suas safras, seus equipamentos, suas plantações, seus animais e tiveram até a topografia de suas terras alteradas. Toda a indenização que lhes seja dada é apenas parcial.

 Quem vai indenizar o choque psicológico de ver destruído o que construíram com anos e anos de trabalho?

Quem vai indenizar o stress adaptativo de fazer frente a uma nova realidade em que subitamente novos conhecimentos lhe são demandados num ritmo incompatível com a velocidade de aquisição, por súbito que surge a necessidade de tê-los já acumulado, para que possam fazer frente a novas decisões que de repente lhes são necessárias que tomem?

Quantas perguntas dessas "quem ...." podem ser feitas e que não terão resposta?

Os desastres causados pelas Mudanças Climáticas, quando há indenização das vítimas, há uma socialização das perdas indenizadas. E fica sempre uma parte significativa da perda total sem reparação. Como o Aquecimento Global vai aumentando o número de desastres naturais, vai trazendo stress sobre  um número crescente de pessoas.

Isto é só a parte aparente de um gigantesco iceberg.  Há bilhões de habitantes da Terra que em poucas décadas adiante vão sofrer as consequências de insuficiente acesso à água. Não são os estrelares eventos extremos, chocantes, que alimentam noticiários. São os insidiosos efeitos negativos que, na surdina, vão retirando capacidade de produtividade da terra, vão aumentando a exposição a doenças, etc. Enfim, entramos numa nova era, a da Inovação para se contrapor aos efeitos negativos das Mudanças Climáticas. É a era da Adaptação ao Aquecimento Global como instrumento de sobrevivência.

Os ingleses desenvolveram, há séculos, um sistema interessante de impulsionar a inovação. O patenteamento. Funciona bem quando há meios de apropriação adequada dos frutos da inovação. Mas isto nem sempre é possível. Às vezes o patenteamento atrasa o desenvolvimento. Pense no caso dos irmãos Wright. Patentearam um sistema de controle de inclinação lateral das asas de um planador/avião.

Duas peculiaridades faziam de pouca serventia sua original e importante idéia central de controlar a inclinação lateral das aeronaves. Primeiro seu modelo patenteado era aplicável exclusivamente a asas tão flexíveis como as asas de lona ou seda, ou nylon de paraquedas. Pense num Boeing ou num Airbus com asas de lona, para poder usar um invento que exigia um alto grau de flexibilidade das asas.  Segundo o torcer as pontas das asas de forma conveniente a incliná-las para um lado, ou para o outro, conforme  a curva que o planador ou avião fosse fazer era, no seu modelo patenteado, mecanicamente acompanhado de mover o leme de direção para prover a mudança de direção desejada. Era um comando só para os dois distintos elementos de interferência no vôo: o elemento  que controlava girar ou não em relação ao eixo vertical e o elemento que controlava girar em relação ao eixo longitudinal. Mas o vôo para ser controlado precisa de independência nestes dois comandos. O seu sistema de controle só permitia sucesso em vôos em baixa velocidade, quando a tendência da aeronave a permanecer estável, com as asas pouco inclinadas para um lado ou para o outro superava a tendência a rotação contínua em torno do eixo longitudinal. Um caça moderno, de alta velocidade, giraria como uma broca na ponta de uma furadeira, ao tentar fazer uma curva para a direita ou para a esquerda. Só em 12 de novembro de 1906, na Europa, voou um avião com comando separado para a inclinação lateral e para o giro à direita ou à esquerda. E este comando de inclinação lateral estava construido em pequenas asas, ailerons, que se moviam independentemente das asas que proviam sustentação. Não exigia que as asas fossem construídas com flexibilidade. Podiam ser metálicas e os ailerons funcionariam da mesma forma. É a solução adotada em todos os aviões. Mas nos USA os juízes nacionalistas entendiam que dava no mesmo ter controles separados ou não, assim como torcer as pontas das asas ou inclinar devidamente pequenas asas adicionais independentes, os ailerons. Como resultado todo avião que se apresentasse nos USA voando com controles laterais seria apreendido até que fosse negociado com os Wright o pagamento do uso da patente. Como resultado a aviação se desenvolveu na Europa. Os USA ficaram numa tal situação de atraso inicialmente, em relação à aviação, que seus aviadores, na primeira querra mundial, aprendiam a voar e voavam aviões europeus. Ou seja, patente tem suas limitações com impulsionador de desenvolvimento. Pode ser, também, um freio, como foram neste caso.
  
Coube aos ingleses, inventores da patente, comentar como estas podem agir contrariamente ao desenvolvimento nos dias de hoje. O açúcar, um poderoso cicatrizante, não é usado, nem se estudam formas inovadoras de usá-lo, porque não pode ser patenteado. Veja The hidden healing power of sugar. Conta como o pesquisador africano Murandu que relata

                      To treat a wound with sugar, all you do, ..., is pour the
                      sugar on the wound and apply a bandage on top. The
                      granules soak up any moisture that allows bacteria to
                      thrive. Without the bacteria, the wound heals more
                      quickly. Evidence for all of this was found in Murandu’s
                      trials in the lab. And a growing collection of case
                      studies from around the world has supported Murandu’s
                      findings, including examples of successful sugar 
                      treatments on wounds containing bacteria resistant to
                      antibiotics. Even so, Murandu faces an uphill battle.
                     Funding for further research would help him reach his
                     ultimate goal – to convince the NHS to use sugar as an
                     alternative to antibiotics. But a great deal of medical
                     research is funded by pharmaceutical companies.
                     And these companies, he points out, have little to gain
                     from paying for research into something they can’t patent
                    (BBC, March 30, 2018).

Entramos numa era em que precisamos de mais inovações para contrabalançar os efeitos negativos das Mudanças Climáticas. Devemos estar atentos às vantagens dos sistemas de patentes. Mas é imprescindível que estejamos atentos a incentivar inovações que não podem ser trazidas pelos atuais sistemas de patente. Inovações que eles inibem. E devemos ser inovativos para manter sistemas de patentes apoiados na apropriação dos ganhos e, simultaneamente superar as situações em que os sistemas de patente atuais sejam inibidores de desenvolvimento, como novos usos de substâncias que não estejam sob a proteção de patentes, com os royalties que tal proteção gera. Isto para não falar do poder de desacretidar resultados não patenteáveis, entre outras ações de análoga intenção.


WIGGINS, Clara. The hidden healing power of sugar. BBC, March 30, 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/future/article/20180328-how-sugar-could-help-heal-wounds. Acesso em: 30 mar. 2018.  


segunda-feira, 5 de março de 2018

Haverá mais uma guerra mundial?

A Etologia, criada a partir de trabalhos de Konrad Lorenz sobre o comportamento de animais, visualiza uma mudança de arranjo social quando um grupo se vê diante de uma mudança ambiental que torna mais árdua a vida e compromente a reprodução dos grupos daquela espécie. A vida social organizada de forma mais livremente democrática cede a uma organização onde duas mudanças se tornam frequentemente mais visíveis, uma no comportamento dos indivíduos, outra na organização dos grupos. O aumento da frequencia do comportamente homossexual é uma resposta frequentemente encontrada a nivel dos indivíduos. A passagem a uma organização onde aparece a figura do mandante, o ditador, é uma frequente resposta na organização social.

A Antropologia, no que respeita aos habitantes nativos do lado oriental da cordilheira dos Andes, organizados em tribos, das quais ainda há intocadas pelos auto-denominados civilizados, de formação ocidental cristã, as vê, em sua expressa maioria, com caciques, como chefes supremos. Supremos em tempos de guerra, ressalve-se. Como norma geral o cacique é absolutamente igual aos demais nos tempos de paz. Na tribo cada um faz o que lhe dá na telha nos tempos de paz, sendo restritos os comportamentos a uma conformação social nas ocasiões dos rituais, onde cada um faz o que lhe cabe. Mas há os tempos de guerra. E nesses tempos o cacique manda e os outros obedecem. Contestações e discussões não são compatíveis com a eficiência a cada instante demanda pelas ações numa guerra. Nesse tempos o cacique ordena e os outros cumprem. Depois, passada a guerra, volta tudo com dantes.

Na hora em que uma das nações gigantes da Terra muda sua constituição para permitir que um presidente eleito, pela possível continuada reeleição, se faça um cacique de tempos de guerra, se pode colocar como um dos motivos o entendimento de seus dirigentes de que haja uma real perspectiva de uma inevitável guerra, para a qual se vejam assim melhor preparados. Se este for um real motivo, a perspectiva é péssima para todos os humanos. Os custos de uma guerra que envolva nações gigantes são tão altos que todos terão mais a perder.

A Adaptação ao Aquecimento Global fica exposta a grandes retrocessos e impedida de avanços. É mais um custo de uma conflagração que, por si, como efeito secundário, amplia as Mudanças Climáticas e seus efeitos sobre todos.

Esperamos que a perspectiva de guerra não seja o motivo para a mudança da constituição que motiva esta postagem.  Seria esta mudança um comportamento ditado pela Etologia? 

sexta-feira, 2 de março de 2018

Brasil festeja crescimento "migalha" de 0,23% do GDP (PIB) per capita em 2017

A economia brasileira cresceu negativamente seu GDP (PIB) per capita entre - 0,80 % e - 0,90% entre 1990 e 2015, em comparação com o GDP mundial. Os anos de 2015 e 2016 foram excepcionalmente cruéis, com crescimentos anuais do produto per capita no entorno de - 4% em cada um destes dois anos (Da ordem de -6% ao ano se considerado como relativo ao GDP mundial). Do ponto de vista de indicação da capacidade de Adaptação ao Aquecimento Global pelo crescimento do GDP relativo ao mundial encontrou-se uma capacidade abaixo da média mundial entre 1990 e 2015. A brutal recessão piorou a situação relativa. Uma medida tomada pelo legislativo congelou o orçamento público disponível para os próximos 19 anos (foi por 20 anos, mas um ano já se foi). Ou seja, pelas próximas duas décadas estará o Brasil com a capacidade de  Adaptação seriamente prejudicada, pois Adaptação requer gastos extras no presente para evitar perdas no futuro. E gastos públicos extra estão fora de propósito.

Ontem, 1 de março de 2018, os jornais de notícias das televisões expuseram com grande alarde o cresimento de 1% do GDP (PIB) em 2017, em fala do senhor Ministro da Fazenda. Saimos da recessão com 1% de crescimento do PIB medido em termos convencionais, auto-referenciado. Sem dúvida a economia brasileira já bateu no fundo do poço. O PIB per capita convencional, o que tem valor para os cidadãos em vez do PIB nacional, parou de diminuir. E apresentou um crescimento auto-referenciado de 0,23% em 2017, pois a população cresceu 0,77% neste ano (valor de 1 de julho de 2016 a 30 de junho de 2017, Diário Oficial da União, 30 de agosto de 2017, p.55). Continuou a haver um forte declínio anual em relação ao GDP per capital mundial. Mas ter encontrado o fundo do poço é um real motivo para festa.

Há uma indubitável situação de superação do estado de decréscimo do PIB per capita auto-referenciado, ou mesmo de desgraçada estabilização num valor constante.  Ou seja, volta o Brasil a crescer quando comparado a si mesmo em momentos anteriores. Pifiamente, sim, mas comemorável como fim de uma  recessão. Mas, não dá para comemorar aumento da capacidade de Adaptação.