terça-feira, 9 de outubro de 2018

Risco, Incerteza, Inovação e Adaptação ao Aquecimento Global

Risco, Incerteza, Inovação e Adaptação ao Aquecimento Global estão funcionalmente relacionados de uma forma especial e significante. E deste relacionamento decorrem importantes implicaões. Como são conceitos usados de forma muito variada, é aconselhável que seja esclarecido como estão sendo entendidos neste texto.

Risco é tomado aqui como a probabilidade de um evento contrário a um objetivo. Envolve um evento definido e uma probabilidade estimada da ocorrência do evento. Suponha que se tem de enviar, com o uso de drones, sangue para uma área onde houve um acidente. E que, dadas as circunstâncias em que se dá o envio, cada drone tem a probabilidade de 30% de chegar corretamente ao destino (Aves de rapina podem derrubar seus drones, ou súbitos ventos localizados podem desviá-los, ou interferências podem desorientá-los. Não se preocupe pela perda dos drones, você não está pagando por eles. Estes são drones virtuais, só para efeito de raciocínio. O sangue também é virtual, tem estoque infinito e tem reposição com custo zero). O risco de perda é, portanto, a probabilidade do drone não alcançar o objetivo, é 70% se for lançado só um drone.  Podemos tomar como sendo esta probabilidade deste evento fixa em 70%, válida para todos os lançamentos.

No lançamento de número 1, no de número 2, etc, em todos e cada um deles a probalidade de não alcançar o objetivo é 30%. Diz-se, então que os eventos são independentes.  Não importa a sequência em são lançados, se simultaneamente (como, neste caso, nunca ocorrem eventos exatamente simultaneos, pode-se dizer que são simultaneos os eventos separados por nano segundos) se separados por algum intervalo mensurável, a probabilidade do evento insucesso é exatamente 30%.

Alcançamos o objetivo quando um drone atinge satisfatoriamente o destino.
Se lançamos um só drone a nossa probabilidade de sucesso de levar sangue ao local  onde é necessário é 30%. Mas se lançamos dois, basta que um chegue ao local para que o sucesso seja atingido deste evento seja atingido. Mas a probabilidade dos dois NÃO atingirem o local onde o sangue é necessário é 70% vezes 70%, ou seja, 49%.

Se lançarmos três drones a probabilidade dos três NÃO atingirem o local desejado é (70%) ao cubo, ou seja, é 34,3% e, portanto, a probabilidade de que o local seja abastecido com sangue de pelo menos um dos três drone é 1-0,343 = 0,657, ou 65,7%.

De forma geral, lançando "n" drones a probabilidade de falhar em não atingir o local da entrega é 70% elevado à enésima potência. O complemento deste número, a probabilidade de falhar em todas as tentativas, pode se tornar um número muito diminuto, com um não muito grande número de drones lançados. Tem-se na Tabela 1 a probabilidade de atingir o objetivo de suprir o necessário sangue como complemento do risco de não o suprir.


Tabela 1
Drones e êxito
Número de drones enviados  Probabilidade
   de êxito
 
1 30,00%
2 51,00%
3 65,70%
4 75,99%
5 83,19%
6 88,24%
7 91,76%
8 94,24%
9 95,96%
10 97,18%

Certeza absoluta de que o sangue será surprido nunca haverá. Mesmo que sejam enviados 100 drones todos podem cair. Mas a probabilidade de insucesso na missão de enviar sangue vai se tornando menor sempre que se lança mais um drone. Isto representa uma situação encontrada no mundo real, a de que nunca se tem total certeza. Tangencia-se a certeza, mas nunca se chega exatamente a ela.

O mundo determinístico em que as pessoas são educadas não considera a questão do risco. Só em determinadas situações a noção de risco é incluída no menu de conceitos usados. Pois este é um ponto que deve ser alterado como Adaptação ao Aquecimento Global, pois as Mudanças Climáticas trazidas pelo Aquecimento terminam por aumentar substancialmente a chance de eventos extremos. E esta mudança impacta na vida das pessoas e no funcionamento das economias.

A questão dos riscos traz ao mundo atual uma necessidade prevista por Blaise Pascal ao tratar de dar importância ao Cálculo das Probabilidades na administração pública. Pascal talvez não tenha levado em conta o quão arraigado o determinismo está nas mentes. E o não uso nas devidas proporções da noção de risco leva a ser mais fácil a administradores públicos se enganarem tomando riscos calculados erradamente ou enganarem. Imagine um administrador público informando que mandou drones com sangue para duas pessoas acidentadas em locais de difícil acesso. Na verdade, para um pode ter sido enviado dois drones e não estaria errado ao usar o plural. Paro o outro, por algum motivo especial, pode ter enviado dez drones. A afirmação de aparente igualdade de tratamento esconde uma profunda diferença entre a probabilidade de 51% que um teve de contar com sangue, enquanto o outro teve  97,18%. Ao cidadão comum, educado em raciocínio determinístico, o fato pode passar despercebido e ficar satisfeito com o tratamento apenas aparentemente equânime. A expansão da educação superior vai mudando o quadro de atitude face a risco e o ditado popular "não ponha todos os ovos numa só cesta" vai sendo substituído por um tratamento mais acurado e uma visão mais crítica da aparência de tratamento equânime em afirmações do tipo "enviamos drones para os dois acidentados" (dois para um; dez para o outro).

Há um maior domínio, cada vez maior, do uso racional das ações a serem desenvolvidas face às probabilidades de eventos a elas relacionadas, em benefício de um melhor resultado das ações desprendidas. Este ganho vem se tornando uma realidade nas mais diversas atividades. Mas, há uma novidade que desfaz parcialmente os benefícios do ganho do domínio da gestão de riscos, hoje tornada convencional. As Mudanças Climáticas vão mudando as probabilidades de eventos climáticos e de seus efeitos. É como se a chance do drone usado no exemplo atrás, atingir seu objetivo, fosse mudando com o tempo. 

Para analisar a mudança no quadro de análise de riscos trazida pelas Mudanças Climáticas, tome-se agora a probabilidade de ocorrência de eventos climáticos extremos, ou seja, que ultrapassam o que pode ser considerado como os limites da normalidade.  A chance, em vez de ser 0,30, de ocorrência de pelo menos um determinado evento climáticos numa década, passaria a ser "0,30 x f(t)", onde "t" pode ser o número de décadas a partir de determinado momento inicial.  A função f(t) no que diz respeito a eventos extremos tende a ser crescente, segundo previsão dos climatologistas.

Considerar mudanças na probabilidade de um evento decorrente das Mudanças Climáticas é uma primeira e insubstituível etapa de Adaptação ao Aquecimento Global. A afirmação de tal simplicidade esconde a complexidade envolvida neste aspecto da Adaptação. 

O reconhecimento de que a probabilidade dos eventos vai variando com o passar do tempo dá margem a mais divergências do que simplesmente reconhecer que há mudanças climáticas versus negá-las. Há mais espaço ainda para divergências quando se trata de medidas para ação sobre o processo de mudanças climáticas, onde se inclui a negação da contribuição do Aquecimento Global para estas mudanças. Afinal, se o Aquecimento Global não é causa de Mudanças Climáticas, atuar arrefecendo o processo de Aquecimento Global não traz mudanças no processo de Mudanças Climáticas. Tem custos e não traz benefícios, pensam os que não reconhecem o Aquecimento Global como contribuinte às Mudanças Climáticas.

Inferir as probabilidades de um evento requer informação estatística e conhecimento específicos. Estes requerimentos se tornam mais exigentes quando as probabilidades são uma função temporal (p(A0).f(t)) do que quando são fixas, caso em que infere-se apenas p(A0), tomando-se f(t)=1. E a estimação da função f(t), não sendo tomada como igual a 1, dá mais margem para divergências quando à expressão da função. Todos concordam apenas em que f(0)=1 e f(t)<1/p(A0) para todo e qualquer t. Mas, para cada expressão analítica da função f(t) deve corresponder, a rigor, uma política de Adaptação para a melhor convivência com o perfil temporal futuro das probabilidades dos eventos relacionados ao Aquecimento Global.

Veja-se, então, que há amplo espaço para divergências quanto às políticas de Adaptação ao Aquecimento Global. As tecnologias envolvidas são mais numerosas do que as envolvidas em ações dirigidas à Mitigação do Aquecimento Global, embora estas sejam, em geral, mais complexas. Mas o uso de tecnologias de Adaptação envolve, muitas vezes, uma complexa teia de relações sócio-políticas.

Nem sempre se pode inferir as probabilidades de eventos. Neste caso temos incerteza. E outra postagem tratará da indesejada incerteza. 


                                            

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