segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Um incentivo Infeliz



A sigla IPVA significa Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotivo, um imposto anual, estadual, pago no Brasil, incidente sobre o patrimônio na forma de veículo automotivo. Mas, no estado de Pernambuco os carros elétricos não pagam IPVA.

O título “O carro elétrico desafia o mercado brasileiro” tomou o maior destaque da página frontal do Jornal do Commercio de Recife, Brasil, na quinta-feira 15 de fevereiro deste 2018, o dia seguinte à quarta-feira de cinzas, este o dia de descanso de um pais exausto pelo carnaval. Para o dizer dos brasileiros mais jocosos essa quinta-feira foi o verdadeiro primeiro dia útil do ano. Para a maior parte da humanidade não há como entender o que, por broma, dizem os brasileiros sobre o dia que segue a quarta-feira de cinzas ser o primeiro dia efetivo de trabalho no ano. Mas o que é sério é que a maioria dos sete bilhões de habitantes do planeta Terra não entende como, já completamente restabelecido do carnaval, se defenda de forma acrítica, num estado com 9,5 milhões de habitantes, onde há sólida produção de alcool combustível, que

o incentivo aos veículos movidos a baterias recarregáveis na Europa caminha a todo o vapor, no Brasil estímulo é tímido e País pode perder bom momento caso não perceba mudanças no setor (Jornal do Commercio, 15/02/2018).

Entendem os sete bilhões que o Brasil, com grande vantagem na produção de álcool combustível, pela alta produtividade que o sol fornece à gramínia cana de açúcar, face aos países mais desenvolvidos, tem a perder e não a ganhar com os carros elétricos. O Brasil que tem nos carros a álcool que circulam em suas ruas uma excelente solução para que a circulação de veículos não agrave o Aquecimento Global está com a sua capacidade de produção de energia hidroelétrica já em plena utilização, restando pequena margem para ampliação. O parque de energia elétrica de base eólica que se amplia a cada dia, mas é insuficiente, sendo complementado pelas caras termoelétricas. Mas a aposta do carro elétrico, que pela reportagem, devemos apoiar com afinco, vai deixar de lado a produção de cana de açucar, que transforma CO2 em álcool, para apoiar um produto que vai consumir energia elétrica, produzida por meios mais dispendiosos. Por que devemos apoiar o que irá custar mais caro para nós?

O tom da matéria publicada é que devemos incentivar com firmeza os carros elétricos porque são uma realidade inevitável no futuro. Se não o fizermos vamos perder o bonde da história. Mas qual a vantagem de jogar os recursos escassos para financiar a compra de carros elétricos? As empresas que produzem carros aqui no Brasil adotarão a produção de carros elétricos quando for mais vantajoso para elas, tenhamos ou não dispendido, no atual momento, escassos recursos para incentivá-los. A Fiat, a Ford, a General Motors, a Volkswagen, a Mitsubishi, a Honda, etc, com suas fábricas no Brasil e em outros países não vão depender, para decidir produzir carros elétricos aqui, de dinheiro público brasileiro que fará falta a usos alternativos hoje dramaticamente necessários. Ou seja, o dinheiro empregado para incentivar o seu uso agora é dinheiro jogado fora.

Mas o que se reclama como pouco incentivo é, na realidade, um grande incentivo que Pernambuco dá à importação de carros elétricos que desbancam os carros nacionais a álcool, inclusive os produzidos em Pernambuco. Como a matéria ressalta, os carros elétricos têm o incentivo da isenção de IPVA, um imposto anual sobre patrimônio no Brasil, que incide sobre valor dos veículos (valor da fatura para carros novos; valor indicado pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica – FIPE, da Universidade de São Paulo – USP para os usados; o valor indicado pela FIPE serve também para os seguros automobilisticos; são, em geral, mais elevados do que os praticados efetivamente no mercado local). É um imposto nada desprezível. É um imposto estadual e cabe os estados atribuirem as alíquotas que incidem sobre o valor dos veículos conforme lhes aprouver. No estado do Ceará, estado litorâneo onde os turistam ouvem contar com sol todos os dias do ano em suas praias, os cidadãos do estado são expostos anualmente a pagarem de IPVA de 2,5% a 3,5% do valor de cada veículo que possuirem, conforme a potência do motor. Já em Pernambuco, onde se reclama mais dedicação de dinheiro do estado para incentivar o uso de carros elétricos, paga-se anualmente de 3,5% a 4% sobre o valor dos carros (Tabela 1).

Tabela 1 Taxa de Incidência do IPVA – Imposto anual sobre o patrimônio incidente sobre o valor
de automóveis no Ceará e em Pernambuco - 2018 Brasil

Potência do motor
Taxa de Incidência Anual sobre o valor do automóvel
Estado do Ceará (1)
Estado de Pernambuco (2)
Até 100 cv
2,5 %
3,5 %
Acima de 100, até 180 cv
3,0 %
3,5 %
Acima de 180 cv
3,5 %
4,0 %

Em Pernambuco, onde historicamente não houve habilidade para a obtenção de uma boa renda do turismo, tenta-se compensar espremendo os cidadãos locais. E nesta compensação Pernambuco, que renuncia a receita do IPVA dos carros elétricos, espreme mais os menos afortunados, que possuem carros com até 100 cv, pois pagam IPVA com a mesma aliquota de 3% aplicada aos carros com motor de até 180 hp. Pode parecer desprezível o valor do IPVA, mas para a grande maioria dos donos de automóveis representa um montante considerável.

Note-se que seja no Ceará, seja em Pernambuco, um assim chamado profissional liberal compra um carro um no início de sua carreira profissional, tome-se como 25 anos o típico desta situação. Aos 65 se aposenta, tipicamente, de acordo com as regras atuais. São, até este momento, 40 anos, nos quais ele, ao se manter com um carro de até 100 cv terá pago de IPVA integralmente o valor médio do seu carro ao longo deste período. Isto no Ceará. Mas se for em Pernambuco, terá, em identicas condições, pago o valor médio, ao longo destes 40 anos, o integralmente o valor médio do seu carro, mais 20,0 % deste valor médio. Os principais fabricantes de carros instalados no Brasil fabricam modelos com menos e com mais de 100 cv. Os com menos de 100 cv são, em geral, mais baratos. Pernambuco torna a vida mais cara do que o Ceará para os que usam carros mais baratos. São carros como o Mobi da Fiat e o Kwid da Renault, cujos modelos mais simples custam no entorno de R$ 30.000,00, justamente o preço das baterias do carro elétrico que motivou a reportagem. A classe média se sai melhor no Ceará.

A isenção de IPVA em Pernambuco para carros elétricos, por seu turno, beneficia os mais abastados. Uma classe econômica muito superior à classe média. Nada a ver nem com a média alta. Trata-se de benefício à classe alta, indubitavelmente alta. A matéria publicada no Jornal do commercio expõe um BMW elétrico, com 170 cv. É de um fabricante, sem fábrica no Brasil, apresentando como modelo mais popular, um que tem preço a partir de R$ 170.000,00. Mas, se o leitor tem espírito esportivo o modelo correspondente tem preço a partir de R$ 800.000,00. Dá para comprar uma forta de 13 Mobis e mais 13 Kwids. É coerente com o fato dos donos de um automóvel elétrico, em Pernambuco, não sentirem diferença na conta de energia elétrica quando passam a usá-los.

Carros elétricos já eram produzidos pela brasileira Gurgel. Foram imaginados para consumir energia elétrica num tempo em que a fartura de energia elétrica tornou-se tão grande no Brasil que foi criado um programa para incentivar o seu consumo, o EGTD – Energia Garantida por Tempo Determinado. A energia no programa EGTD tornou-se tão barata que empresas industriais chegaram a fazer algo impensável, qual seja substituir o óleo combustível por energia elétrica na geração de vapor para fins de transformação industrial. Mas, nesta época, faltava aos veículos da Gurgel o apoio de baterias de lítio, sendo prejudicados pelo comparativamente fraco desempenho das baterias chumbo ácidas, as que continuam mundialmente consagradas para a operação da parte elétrica de motores de combustão interna, como os motores usados nos carros a álcool e a gasolina. Mas agora, nos dias atuais, não há capacidade de geração de energia elétrica sobrando. Há, sim, faltando. Ou seja, é hora de ser aconselhável usar o alcool como combustível nos nossos carros, em vez de pressionar mais o sistema de geração de energia elétrica. E os carros a álcool são menos contribuintes ao Aquecimento Global do que os carros elétricos, quando se leva em consideração a construção das baterias de lítio, conforme visto na postagem Carros Elétricos: um choque.

O estado de Pernambuco é sede de uma empresa exemplar na área automobilistica. Começou com uma das muitas fábricas que há nos países menos desenvolvidos de baterias que utilizam baterias velhas e usam o seu chumbo para fazer novas. Décadas após fundadas, continuam tão precárias quanto quando foram criadas, alimentando um mercado de veículos envelhecidos, igualmente precários. Mas essa de Pernambuco recebeu uma orientação correta do ponto de vista empresarial. Foi uma feliz união de estratégia tecnológica, determinação de seus proprietários, resiliência para absorver os choques econômicos, capacidade gerencial, etc. E transformou-se na maior fábrica de baterias automotivas ao sul do Rio Grande (separa os EUA da América Latina). Seu progresso tecnológico culminou com o recente estabelecimento de um instituto de pesquisa tecnológica próprio, o ITEMM, Instituto Tecnológico Edson de Moura Mororó, que dá melhor organicidade às atividades de pesquisa e aquisição de tecnologia que acompanharam a evolução da empresa. A competência maior do instituto é na área de baterias chumbo-ácidas, onde o instituto e a empresa produtora concentram suas expertises, já que abastece o mercado automobilistico existente atualmente. A empresa está atenta às tendências dos países desenvolvidos e, através do seu ITEMM, vai ganhando conhecimento na área de produção de baterias de lítio. É na construção da capacidade de produzir, competitivamente, baterias de lítio que reside, para Pernambuco, o não perder o bonde da história no que se refere a carros elétricos. Se tem que incentivar atividades relacionadas a carros elétricos, que respondam ao incentivo com emprego e impostos pagos em Pernambuco é no ganho de conhecimento tecnológico para a produção de baterias de lítio que encontra racionalidade para uma ação pública de incentivo e não na aquisição de carros elétricos importados. A tendência a que uma significativa fração da frota mundial de automóveis venha a ser constituída de carros elétricos é tão altamente provável que os chineses quietamente já compraram quase todas as minas de litio conhecidas e dominam seu mercado. Por isto, estejamos preparados para esta situação que chegará ou não, mas se chegar ou não, será, com certeza, à revelia de nossas ações. E se o Brasil vai produzir carros elétricos ou não, isto não será alterado por renúncia fiscal para financiar a compra de carros elétricos importados.

É apontado pelos chineses, ao comprarem as minas de lítio, que o carro elétrico vem mesmo. E, mesmo sendo mais racional o uso do carro a ácool entre nós haverá que prefira o carro elétrico. Afinal, fomos treinados para termos a Europa Ocidental como a nossa matriz mental, e tudo que for aprovado lá, deve ser aprovado cá e o que for reprovado lá, deve ser reprovado cá. Mas os tempos vão mudando e vai diminuindo o efeito do treinamento. A maioria já descobriu no Brasil que maio não é nosso mês das flores, como era tomado como verdade até meados do século XX. E que a Embrapa viabilizou ser a produção de soja e derivados no Brasil da mesma ordem de grandeza de todo o produto agrícola da França, o maior da Europa. O tempo vai levando a que o que é bom para o Brasil seja considerado segundo a ótica brasileira.

Sabemos ser em vão. Mas a mudança do esmaecimento do treino colonial nos amima a gritar: se Pernambuco está tão bem que abre mão do IPVA para carros de luxo elétricos, quero meu IPVA de volta. O motor de meu carro funciona com álcool, contribui menos ao Aquecimento Global do que os carros elétricos, com suas baterias de lítio cuja construção é profundamente agressiva ao meio ambiente e gravosamente contribuinte ao Aquecimento Global. O álcool é nosso, gera emprego, renda e impostos aqui. Não devemos desincentivá-lo. Quero meu IPVA de volta!

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