quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Convivência com a seca: latitudes e diferentes adaptações no Brasil


O Brasil, com sua conhecida dimensão territorial continental, tem um território que atipicamente se distribui não só na região equatorial, tomada aqui como se estendendo da linha equatorial até 15oS (CAMARGO; CAMARGO, 2005), ou seja, até menos de um grau de latitude abaixo da capital Brasília, onde tem a maior parte de sua extensão geográfica. A capital Brasília, está no limite inferior desta região equatorial, com 14,23oS. Tem, na área tropical não equatorial, limitada ao Sul pelo Trópico de Capricórnio, sua segunda parcela e tem fração territorial abaixo da região tropical ainda menor. A capital econômica do Brasil, a cidade de São Paulo, posiciona-se neste limite, a 23,5oS.  Mesmo assim, esta menor fração de área, ao Sul da cidade de São Paulo, tem grandeza superior à da área média dos países da ONU. Uma análise sobre a situação brasileira é de interesse geral, pois aproximadamente se reproduz em análogas latitudes de outras nações.

O Aquecimento, nas mais altas latitudes brasileiras (em módulo ou termos absolutos), que correspondem ao clima subtropical, traz, pelo padrão global de aumento da temperatura com a latitude, uma maior mudança de temperatura, do que nas regiões de latitude menor. Ao mesmo tempo permanece garantido  para a região um largo percentual de horas anuais dentro da zona de conforto térmico (22 a 25oC) . Nestas áreas brasileiras de maior latitude, espera-se a manutenção da tendência atual, de aumento da precipitação pluviométrica (Fig. 1), principalmente na forma de precipitações concentradas (MONTEIRO, 2007). Assad etal (2004) mostram o Aquecimento deslocando para o Sul culturas como o café.

À medida que a latitude cai (em valor absoluto), caminhando-se em direção ao equador terrestre, encontram-se os climas tropicais não equatoriais, aqui tomada tal região como entre 15oS e o trópico de Capricórnio. Nesta área, as temperaturas equatoriais nos meses de verão ainda são acompanhadas por temperaturas significativamente mais baixas nas demais estações. Mas continua a valer a regra de ir recebendo cultivos preteritamente instalados mais ao norte.
 
Há ainda menores latitudes, de grandezas menores do que 15oS. Entra-se na região equatorial. No seu lado oriental, encontra-se o clima tropical úmido no litoral e o semiárido no sertão. O primeiro aparece severamente afetado pelo desconforto térmico, porém sem significativas mudanças na faixa de temperatura média, quer no ciclo diário, quer no ciclo sazonal. O segundo, não gozando da faculdade mediadora da grande massa de água que é o oceano Atlântico, apresenta uma amplitude térmica diária superior a 10 graus centígrados e até superior a 15 graus, em áreas de maior variação térmica diária. Globalmente, as regiões semiáridas, onde vive a maior parte das pessoas mais pobres do planeta, são as mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. No Brasil, o quadro se repete. 
 
Na zona equatorial, onde as latitudes são muito baixas (em módulo), para o Nordeste brasileiro, os cenários esperados para as temperaturas mais altas que estão a caminho incluem déficit hídrico, menor umidade do solo e maiores índices de aridez, o que tende a exacerbar ainda mais as desigualdades sociais e a pobreza da região. Certas áreas hoje caracterizadas como “sub-úmidas secas” podem passar a semiáridas, e as semiáridas, a áridas. Em determinadas regiões onde hoje é praticada a agricultura de subsistência, a falta de umidade do solo poderá impossibilitar tal prática. A Degradação Ambiental com perda de biodiversidade poderá ocorrer de forma mais ampla e intensa e a capacidade de suporte dos ecossistemas que está presentemente comprometida será ainda mais comprometida. Além disso, a oferta de água sofrerá queda em termos de quantidade, qualidade e regularidade. Ao mesmo tempo, na região litorânea, estima-se que o aumento do nível do mar afetará as cidades e mangues, com prejuízos ao capital hoje nelas instalado e até com prejuízos ao turismo destas localidades, pelas desagradáveis condições que a inapelável erosão causa.



Figura 1. Projeções de mudanças de temperatura e chuva para o Brasil para o final do Século XXI.
Fonte:Marengo, Carlos, Salati (2007, p.36). 
 
A Amazônia, mais a oeste, com seus climas equatoriais úmidos, apresenta-se tão vulnerável quanto o Nordeste. Grandes secas vão se repetindo a curtos intervalos produzindo stress não só nas árvores seculares e muito mais nas árvores jovens, mas na inteira floresta (FEARNSIDE, 2010). Por outro lado, com um maior teor de dióxido de carbono na atmosfera, as árvores, como todos os vegetais, crescem com maior velocidade. Mas, há muito a se estudar para predizer o que deve acontecer com florestas maduras pelo aumento do teor de dióxido de carbono (PACHECO; HELENE, 1990).
Na zona equatorial, há a incógnita do que está por vir, pelo novo clima que deverá ser formado na região, a qual já sofre duramente com altas temperaturas. Porém, alguns impactos ambientais, econômicos e sociais já são previsíveis.

Degradação ambiental com perda de biodiversidade poderá ocorrer de forma mais ampla e intensa e a capacidade de suporte dos ecossistemas será ainda mais comprometida. Além disso, a oferta de água sofrerá prejuízos em termos de quantidade, qualidade e regularidade.

Deve-se insistir em realçar a questão da oferta de água e mais ainda, da umidade edáfica, porque são fundamentais para a agricultura. A oferta de água para irrigação é um calcanhar de Aquiles para o Nordeste, visto que só uma pequena fração da Região dispõe de água para tal fim. Somente 2% da área do Nordeste pode ser irrigada (SUASSUNA, 2002). Por outro lado, toda a água do rio São Francisco, o único grande rio perene da região, já está outorgada, ou comprometida com a transposição, a qual não provê projetos de irrigação. Nem haveria água para tal, como demonstram vários trabalhos sobre a região, muitos do quais de João Suassuna e bem corrobora recente trabalho do IPEA (CASTRO, 2011).
Mostrado que a temperatura está aumentando e previsto que a precipitação está se tornando mais concentrada, tem-se um quadro do movimento de duas variáveis contrárias à produção agropecuária do Nordeste. A previsão do estudo de Barbieri at al. (2009) é de que a migração previsivelmente esteja em alta a partir de 2035. E que em 2050 já tenha havido, tomando-se Estados selecionados, um encolhimento das atuais terras cultiváveis em:
 
79,6% no Ceará;
70,1% no Piauí;
66,6% na Paraíba; e 
64,9% em Pernambuco.
Neste último Estado, onde está prevista a menor perda percentual de terras agricultáveis, o valor médio linear da perda é de 1,62% ao ano (BARBIERI e et al., 2008. p.13). Trata-se, em todos estes Estados, de perdas desastrosas.

Em cada ano, a perda é pequena aos olhos de quem não perceba este valor como significativo pelo fato de não apresentar redução no PIB dos Estados, na medida em que os outros setores econômicos muito mais que compensam tal perda. Mas, dois pontos devem ser levantados. Um primeiro é que mesmo o produto agregado do Estado aumentando em cada ano deste período, haveria que se contar o prejuízo para uma parcela das famílias e pessoas com a destruição de seus meios de vida e as implicações desta redistribuição de renda para o nível de bem-estar no Estado. Um segundo é que com o total acumulado de perda do setor agropecuário pode mudar a relação entre os setores de forma a que venha a acarretar reflexos prejudiciais aos demais setores. Como a perda é relativamente pequena, em média anual, mas é recorrente, pode-se dizer ser este um efeito insidioso do Aquecimento Global ( Não só no Nordeste se tem presenciado redução das precipitações. Em Goiás, entre 1974 e 2008 houve uma perda anual média de 0,19% (COSTA et al., 2012, p.99), correspondendo a uma redução de 6,58% da precipitação no período).
 
Note-se que o cálculo das perdas de área agricultável foi baseado na utilização das atuais tecnologias agropecuárias. O quadro pode e deve mudar se novas tecnologias, adaptadas aos efeitos do Aquecimento Global nas regiões equatoriais forem mantendo estas terras agricultáveis, de forma compensatória. Só a pesquisa, substituindo e impulsionando a adaptação da própria natureza, pode contrapesar as condições climáticas crescentemente adversas. Dependem de pesquisa para que haja o desenvolvimento de cultivares que, sem perda de conveniente produtividade, aceitem temperaturas mais elevadas. 
 
Uma apreciação da ordem de grandeza da relação entre latitude e temperatura no Brasil pode ser inferida a partir dos dados da Tabela 1, a qual contém dados de cidades brasileiras costeiras (evitando efeitos diferenciados derivados de perdas da influência atenuadora térmica das grandes massas de água), de altitude de apenas alguns metros acima do nível do mar (mantendo constante entre as cidades escolhidas o efeito da altitude sobre a temperatura).

Tabela 1 - Temperaturas de cidades litorâneas brasileiras
Cidade
Latitude
Temperatura (oC)
Média Mínima
Média
Média Máxima
Chaves (PA)
-0,16
26,7
23,0
30,4
Natal (RN)
-5,8
25,4
21,6
29,9
Maceió (AL)
-9,67
24,8
21,3
28,7
Salvador (BA)
-12,97
22,6
27,9
25,3
Vitória (ES)
-20,32
24,3
20,9
28,3
Paranaguá (PR)
-25,52
19,6
16,3
23,8
Torres (RS)
-29,34
19,0
15,3
22,0

Fonte: Latitude (IBGE, 2009) e Temperatura (WEATHER, 2009)

Nesta tabela estão listadas as principais cidades litorâneas brasileiras (consideradas a partir da maior cidade litorânea de cada Estado litorâneo) que além desta especificação, satisfazem à condição de serem as que apresentam a latitude mais próxima de múltiplos de 5. Escolheu-se o ajuste linear por ser o mais simples e apresentar medidas de bondade de ajuste aceitáveis, conforme se pode observar na Figura 2.
Figura 2 - Brasil: Temperatura versus Latitude




Observações:
1) Os pontos correspondem às seguintes cidades, por ordem crescente de magnitude da latitude: Chaves, Natal, Maceió, Salvador, Vitória, Paranaguá e Torres.
2) Os dados dos ajustes lineares são: Inclinação (oC/ grau de latitude); R2
Temp. Média Máxima - 0,31 +/- 0,07 (95%); 0,85
Temp. Média: - 0,26 +/- 0,07 (95%); 0,84
Temp. Média Mínima - 0,25 +/- 0,01 (95%); 0,76
(Ajustes e gráfico gerados com o aplicativo livre QtiPlot da suite Ubuntu)

O gráfico apresenta a variação média de temperaturas escolhidas, dado o aumento de um grau de latitude ao longo da costa brasileira. Trabalha-se com a temperatura média anual – TM, a temperatura média máxima – TG (a média anual das temperaturas diárias máximas) e com a temperatura média mínima – TP (a média anual das temperaturas diárias mínimas). Encontrou-se que a cada grau de latitude a mais, se afastando do Equador para o Sul, TM vai se reduzindo, em média, a um ritmo de 0,26 oC; TG, por sua vez, vai caindo, em média, 0,31 oC; já TP cai 0,25 oC. 
 
Cada método de estimação da variação da temperatura média dá como resultado um valor diferente, ligeiramente diferente, que seja. Basta acrescentar mais cidades à lista, por exemplo, considerando todas para as que são apresentados valores de TG, TM e TP, em vez de procurar latitudes que representem múltiplos de cinco, como seguido nessa estimação. Ou mudar o método de regressão. Ou estimar os valores médios para outros anos anteriores. Ademais, vai variando essa média com a longitude considerada, que vão dizer respeito a diferentes altitudes, a diferentes distâncias do efeito amenizador do mar, etc. Mas, o que se precisa, no presente trabalho, é de um valor que bem represente a queda de temperatura por cada grau de latitude, englobando as mais diferentes situações. 
 
Trata-se de encontrar a ordem de grandeza da variação, pois ela será robusta e permitirá estimar a ordem de grandeza da velocidade de deslocamento das isotermas. Para tal trata-se de encontrar um valor múltiplo de 0,05oC para expressar a variação média da temperatura pelo aumento de um grau de latitude. Ou seja, a partir dos valores encontrados, escolher entre 0,25; 0,30; e 0,35oC, qual deles melhor se presta a representar esta variação.
 
A redução de 0,25 oC por aumento de um grau de latitude tem a seu favor haver um outro valor próximo, qual seja 0,26 oC por aumento de um grau de latitude encontrado para TM. Todavia 0,25 oC por aumento de um grau de latitude é um valor limite para o intervalo de escolha, 0,25 e 0,35 oC. O valor mais alto encontrado para a redução de temperatura média pelo aumento de um grau de latitude foi 0,31 oC. Tomando-se a redução média da temperatura como 0,30 oC por grau de latitude se está dentro do intervalo, em seu valor central, não em seu limite, como 0,25 oC. Então, neste trabalho, vai se tomar 0,30 oC como a redução média de temperatura pelo aumento de um grau de latitude. Pois, levando-se em conta o aumento da temperatura ocorrida nos últimos trinta anos do século passado, período em que a temperatura média da Terra elevou-se em 0,48 oC, pode-se, como aproximação, dizer que aumentando a temperatura média um tanto menos na área equatorial, tenha esta área, do ponto de vista térmico, como ordem de grandeza, se expandido em 0,30 oC (Toma-se 0,30 OC por representar uma temperatura que satisfaz à condição de ser “um tanto abaixo de 0,48 OC)”, ou seja compensando a redução do aumento de um grau de latitude ao se caminhar em direção de se afastar da linha equatorial. Isto é equivalente à distância de 111 km entre João Pessoa e Recife.
 
É um fato de extrema gravidade amagnitude geográfica deste avanço da área equatorial, do ponto devista funcional, pois há previsão de que a temperatura média da Terra suba pelo menos um grau centígrado durante este século. O limite superior da faixa desta previsão se põe como 5 a 6 oC, com intensa mudança climática, indicando um caminhar cinco a seis vezes mais rápido dos limites da “área” equatorial, se afastando da linha equatorial, ou seja, indicando grande intensidade e extensão de perdas potencialmente catastróficas (IPCC, 2007).

Referências

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Jurandir; ÁVILA, Ana Maria Helminsk (2004). Impacto das mudanças
climáticas no zoneamento agroclimático do café no Brasil. Pesquisa
Agropecuária Brasileira, Brasília, 39(11):1057-1064, nov.

BARBIERI, Alisson Flávio et al (2009). Mudanças Climáticas, Migrações
e Saúde: Cenários para o Nordeste brasileiro 2000 - 2050.
CEDEPLAR - FIOCRUZ.

CAMARGO, Ângelo Paes de; CAMARGO, Marcelo Bento Paes de (2005).
Latitude e o Tipo Climático. O Agronômico, Campinas, 57(2):19-21. ISSN
0365-2726.

CASTRO, César Nunes de (2011). Transposição do Rio São Francisco:
Análise de oportunidade do projeto. Rio de Janeiro: Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. (Texto para Discussão, 1.577).

COSTA, Helen Camargos;MARCUZZO, Francisco Fernando Noronha;
FERREIRA, Osmar Mendes; ANDRADE, Lucas Reinehr (2012).
Espacialização e Sazonalidade da Precipitação Pluviométrica do Estado de
Goiás e Distrito Federal. Revista Brasileira de Geografia Física, 01:87-100.


FEARNSIDE, P.M. 2011. Global warming: How much of a threat to
tropical forests? Pp. 1283-1292. In. H. Gokçekuş, T. Umut & J.W.
LaMoreaux (eds.) Survival and Sustainability: Environmental
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DOI:  10.1007/978-3-540-95991-5_120; ISBN-10: 3540959904; ISBN-13:
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Intergovernmental Panel on Climate Change. IPCC Fourth Assessment
Report: Climate Change 2007. Disponível em: http://www.ipcc.ch
/publications_and_data/ar4/syr/en/mains3-3-2.html. Acesso em: 13 nov.
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  MARENGO, José A.; NOBRE, Carlos, A.; SALATI, Enéas; AMBBRIZZI, Tercio
  (2007). Caracterização do clima atual e definição das alterações
  climáticas para o território brasileiro ao longo do Século XXI
  Sumário Técnico. MMA/SBF/DCBio. Disponível em: 
  http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/~rmclima/pdfs/prod_probio
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MONTEIRO, Maurici Amantino (2007). Dinâmica atmosférica e a
caracterização dos tipos de tempo na Bacia Hidrográfica do Rio
Araranguá. Florianópolis: UFSC. Tese de Doutorado.

PACHECO, Maria Raquel Pereira dos Santos; HELENE, Maria Elisa
Marcondes (1990). Atmosfera, fluxos de carbono e fertilização por CO2.
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Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8567
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SUASSUNA, João. Semiárido (2002): Proposta de convivência com a seca.
Disponível em: http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&
view=article&id=659&Itemid=376. Acesso 13 nov. 2014.


De:
DIAS, Adriano; MEDEIROS, Carolina 
(Consultores:  MELO,  Lúcia; SUASSUNA, João; TÁVORA, Luciana; WANDERLEY, Múcio)
Convivência com a Seca e Adaptação - realidade e pesquisa

Relatório Parcial da Pesquisa  Adaptação ao Aquecimento Global:
uma visão sobre a pesquisa agropecuária no Norte/Nordeste
Coordenação de Estudos em Ciência e Tecnologia - CECT/Fundação Joaquim Nabuco  www.fundaj.gov.br.    Recife, 2014







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