sábado, 15 de novembro de 2014

Pesquisa agrícola num país tropical


O período que antecedeu o império no Brasil já contou com a instalação de centros de pesquisa agropecuária, entendendo-se essa pesquisa com o conceito que então tinha, de classificação, descrição de espécies e sua aclimatação. Dois destes centros estavam indiscutivelmente localizados, note-se como importante, na região equatorial do Brasil. Em 1796, certos os portugueses da importância das espécies vegetais equatoriais, que deviam ser consideradas preciosas para o conhecimento científico (COUTINHO, 1799), foi instalado o primeiro, o Horto Público São José, em Belém, na capitania do Pará (CARVALHO, 1800). A vinda da corte para o Brasil trouxe a organização do Jardim de Aclimação, no mesmo ano da inusitada viagem, 1808, visando aclimatar no Rio de Janeiro as especiarias vindas das Índias Ocidentais (INSTITUTO, 2013), tornadas desejadas nos trópicos por incorporadas que estavam ao padrão de consumo e percepção das papilas gustativas da egrégia côrte defenestrada. E em 1811 estabelecia-se o Real Viveiro de Plantas de Olinda, no qual “funcionou um horto de aclimatação, produção e distribuição de mudas” (MEUNIER;SILVA, 2009, p.62), visando aclimatar e disseminar espécies de plantas exóticas e do sertão brasileiro. Um atestado da importância do horto é encontrada em Freyre, discorrendo sobre a alimentação brasileira, ao lembrar que a canela, o cravo e a fruta pão, a ela incorporados, agregando-lhe sabor, são devidos aos trabalhos realizados nesse horto (FREYRE, 1933).
O período imperial inaugura, em seus últimos momentos o centrar a atenção da pesquisa na geração de divisas. Cria, em 1887, a Imperial Estação Agronômica de Campinas, fundada pelo Imperador D. Pedro II visando primordialmente apoiar a cultura do promissor gerador de divisas, o café (CASA, 2013). Hoje opera a imperial estação sob a denominação de Instituto Agronômico- IAC.
Todo o tempo da conservadora República Velha e da seguinte era Vargas passou-se sem grandes modificações no panorama da produção agropecuária trazidas por pesquisas. É verdade que destaca-se ter sido criada, na República Velha, pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, em 1919, a Estação de Seleção de Sementes de Alfredo Chaves (FUNDAÇÃO, 2013). Trataria de contribuir a restaurar a produção trigal gaúcha (CUNHA, 2001), de peso na pauta de exportação do Estado do Brasil dos velhos tempos coloniais, suprimida que fora pela “abertura dos portos às nações amigas” (CUNHA, 2013). Esta fora a primeira versão de escancaramento da economia brasileira a uma onda globalizante, imposta ao fugitivo rei, que tivera sua comitiva transoceânica de 10 mil súditos, em 15 navios, guardada por quatro vasos de guerra ingleses.
Não chegaria a República Nova, instalada após os ventos liberalizantes da vitória das democracias ocidentais, em 1945, sem que o Brasil equatorial presenciasse esforço de pesquisa nele instalado. O governo do Estado de Pernambuco, Estado então ainda pujante, pela exportação de açúcar, criou em 1935 uma instituição de pesquisa própria, o Instituto de Pesquisa Agronômica – IPA. O Estado de São Paulo, o sempre grande exportador de café, por sua vez, incorporou o IAC. Somavam-se a estações experimentais em ainda outros poucos Estados, todas estas organizações estaduais trabalhando sem uma visão nacional e sem que formas de cooperação entre elas, de resultados significantes, fossem adotadas.
A República Nova centrou sua atenção à industrialização do país. A produção de alimentos continuava tipicamente voltada à subsistência, feita de forma rudimentar. Até mesmo a produção dos então maiores esteios da aquisição de divisas externas, o café e o açúcar, tinham, na verdade, suas correspondentes culturas baseadas no emprego intensivo de mão-de-obra e na qualidade natural dos solos. Mesmo nas duas décadas centrais do último século, de 1950 a 1970, que presenciaram a revolução industrial-tecnológica do Brasil, o café teve a produtividade elevada em apenas 2% e a cana-de-açúcar em 1,6% (COELHO, 2001, p.14).
O Governo Militar que, a partir de 1964, sucedeu à República Nova, continuou, nos primeiros anos, a modorria que caracterizava o desprezo à necessidade de modernização dos processos produtivos da agroindústria brasileira. Mudou radicalmente de postura em 1973. A grande revolução tecnológica-agronômica do País, deu-se a partir da visionária criação da Embrapa, nesse ano, como empresa pública de direito privado, época em que “a centralidade da produtividade como critério de competitividade se expande e se consolida na agropecuária brasileira” (GEHLEN, 2001, p. 80). Com o que viria a ser a maior empresa de pesquisa agrícola do mundo, o País passou a ter uma organização de tamanho e valor compatível com a extensão de sua área agricultável. Com preocupação de âmbito nacional, buscou a Embrapa atingir e manter-se na fronteira do conhecimento científico e tecnológico relativo à agropecuária e, nessa posição, contribuir ao desenvolvimento da agropecuária nacional.
A Embrapa organizou, sob sua liderança, um sistema nacional de pesquisa agropecuária. Cobriu os diversos ângulos do que se pode chamar o complexo sistema nacional de interesses agropecuários (BONELLI; PESSÔA, 1997), devotando recursos, cooperativamente com os governos estaduais. Apoiou a criação de empresas estaduais de pesquisa agropecuária - OEPAs em Estados que não as detinham, uma regra geral no País, bem como a transformação de instituições estaduais pré-existentes em empresas públicas ou sociedades de economia mista, visando ao estabelecimento de relações complementares, cuja efetividade fosse facilitada pela analogia das formas institucionais.
 Excetuando-se o Piaui, OEPAs passaram ser encontradas nos Estados do Maranhão ao Rio Grande do Sul. A Embrapa a elas cedia pesquisadores, financiava pesquisas cooperativas e a capacitação e titulação de pesquisadores. Nos Estados amazônicos, respeitando os menores recursos, a enormidade do desafio de desenvolver tecnologia agrícola amazônica, e a maior importância estratégica da região para o País, a Embrapa não deixou margem para falhas introduzidas por miopias estaduais, tendo criado centros de pesquisa próprios.
A Constituição de 1988, atendendo ao clamor nacional contra a centralização dos recursos tributários, redistribuiu os recursos arrecadados pelo governo federal, concedendo uma maior participação aos Estados e Municípios, minguando o montante disponível ao arrecadador. O orçamento da Embrapa, como resultado de redistribuição de efeitos, foi substancialmente reduzido, privando a empresa de manter o apoio que concedia às OEPAs. Essas, desprovidas da fonte externa de recursos quando ainda não se havia formado na maioria dos Estados uma cultura de valoração da pesquisa e ainda com a equivocada idéia de que a Embrapa as substituiria, às custas do erário público nacional, entraram em crise.
Alguns Estados, como resposta ao novo quadro orçamentário, promoveram fusões entre as suas entidades de pesquisa agrícola e outras entidades relacionadas ao campo, principalmente com as de extensão rural. No Brasil equatorial, o Estado do Ceará, simplesmente fechou sua OEPA.
O comportamento do crescimento da produtividade total da agropecuária brasileira expõe quadro que revela o resultado das duas etapas da situação do sistema Embrapa/OEPAs. A produtividade total que crescera a um ritmo médio de 4,5% anuais durante o período 1976-86, reduziu-se a um crescimento anual médio de 3,1% no período 1986-96 (GASQUES;CONCEIÇÃO, 1997, p.17).
Em adição aos centros de pesquisa da Embrapa dispersos no Brasil equatorial e às OEPAs, o esforço de pesquisa agropecuária nestas baixas latitudes conta, também, com unidades de pesquisa nas universidades públicas, três delas sendo especificamente denominadas como rurais.

De:
DIAS, Adriano; MEDEIROS, Carolina 
(Consultores:  MELO,  Lúcia; SUASSUNA, João; TÁVORA, Luciana; WANDERLEY, Múcio)
Convivência com a Seca e Adaptação - realidade e pesquisa

Relatório Parcial da Pesquisa  Adaptação ao Aquecimento Global:
uma visão sobre a pesquisa agropecuária no Norte/Nordeste
Coordenação de Estudos em Ciência e Tecnologia - CECT/Fundação Joaquim Nabuco  www.fundaj.gov.br.    Recife, 2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário