quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O caminhar da adaptação praticada no semiárido brasileiro



As mudanças climáticas na região equatorial brasileira, trazidas pelo Aquecimento Global são constituídas basicamente de aumento da temperatura e de redução com concentração das precipitações. Trata-se, então, de agravamento das condições do semiárido. Pelo menos para a primeira metade desse século XXI, pode-se, a partir da temperatura média anual tendencial do ano 2000, considerar um grau centígrado de aumento médio, no semiárido, de temperatura média anual, juntamente com moderadamente maior intensidade e amplitude geográfica das secas. Nestas condições, os métodos de convivência com a seca no Semiárido equivalem a métodos para Adaptação ao Aquecimento Global. 

São métodos que envolvem dois grandes eixos:
- um, o de "planejar o estar preparado para os anos de seca";
- outro, o de "explorar economicamente o Semiárido com culturas de espécies dos próprios biomas ou advindas de biomas análogos, com plantas de igual resistência à seca, ou de ciclo de vida tão curto que aproveitam o curto período de umidade edáfica favorável. 

Assim, procurar evidências de Adaptação é procurar a adoção de métodos de convivência com a seca. E a convivência com a seca é uma longa história de conhecimento de sua necessidade e de empenho no combate à seca, peculiarmente pouco orientado ao benefício da maioria da população do semiárido.

Uma breve história das secas no Nordeste pode ser encontrada em “História - Seca, fenômeno secular na vida dos nordestinos” (BARRETO, 2009), publicado em “Desafios do Desenvolvimento”, a revista de informação e debate do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, de acesso livre on line. Registra a construção de açudes como a adaptação exercida, levando o semiárido nordestino a possuir a maior capacidade de represamento entre todos os semiáridos do planeta.

A lógica da açudagem como solução ao “flagelo da seca”, defendida no relato das campanhas de Canudos, em meados do século XIX, por Euclides da Cunha (1979), foi adotada pelos grandes fazendeiros e pelos pequenos produtores, construindo tipicamente açudes de capacidade de reserva anuais. Posteriormente veio a proporcionar ações conjuntas de proprietários rurais e governo, construindo açudes de maior tamanho, tipicamente de capacidade de reserva interanual. Finalmente chegou-se aos açudes monumentais, de tal profundidade que nem as grandes secas conseguem fazer secar. Em 1936 foi construído no Estado da Paraíba o açude Coremas, com 720 milhões de m3, o então maior açude do continente sul-americano. No ano de 1960 foi a vez do Orós no Ceará, podendo acumular 4 bilhões de m3, o então maior açude do mundo, interceptando o rio Jaguaribe, considerado o maior rio seco do Mundo. No ano de 1983, foi construído, no Açu, Rio Grande do Norte, o açude Eng. Armando Ribeiro Gonçalves, com capacidade de 2,4 bilhões de m³, tornando-se o 2º maior açude do Mundo. Em 2003 foi concluído e inaugurado o açude Castanhão, novamente no rio Jaguaribe, agora o maior açude do Mundo, acumulando 6,7 bilhões de m³, volume equivalente a quase 3 vezes a Baía da Guanabara. A açudagem leva a atuais 37 quilômetros cúbicos de capacidade de represamento (RIBEIRO, 2008a), distribuídos em 70 mil açudes espalhados no semiárido brasileiro.

A açudagem representaria uma importante contribuição à sustentação das atividades agropecuárias se pudesse prover agua para tal, juntamente com água para dessedentação humana. Está longe disto, pois não foram construídas adutoras para atender à população dispersa no campo e agrupada em pequenas cidades e vilarejos. Também, não apresenta condições de dar suporte a agricultura irrigada de forma significativa. Fora pequenos bolsões de área irrigada, principalmente pelas águas do São Francisco e do Parnaíba, a agricultura no semiárido é de sequeiro, uma agricultura dependente da chuva, justamente numa região em que a chuva é insuficiente, face à alta evapotranspiração, e é incerta.

O desenvolvimento do conhecimento geológico havido ao longo do século passado levou se poder contar, na área de solo sedimentar do Nordeste, que constitui cerca de 30% do semiárido, com um potencial ao redor de 135 bilhões de m³ de água subterrânea, com possibilidades de serem utilizados cerca de 27 bilhões de m³ (20% do total) de forma imediata. Uma pequena fração já é conseguida nos poços existentes nesta região, estimados em de cerca de 60 mil (RIBEIRO, 2008b; SUASSUNA, 2001).

A natureza desenvolveu, através de milênios, biomas adaptados ao semiárido nordestino. Seria racional que a exploração da região seguisse a linha de utilizar componentes dos biomas locais, dadas as suas peculiaridades relativas a temperatura e aridez. Assim foi no seu primeiro estágio da ocupação pelo homem branco. Gerou a chamada Civilização do Couro, quando o gado, criado de forma extensiva, alimentava-se de componentes dos biomas locais. 

A Civilização da Açudagem, correspondente à conscientização da necessidade de represar as águas caídas em poucos dias do ano e que de outra forma correriam livres para o mar e às ações para o seu represamento, sucedeu, em meados do século XIX, à pura exploração extrativa dos biomas, pela via da alimentação do gado. Simultaneamente, expandia-se o cultivo de algodão e depois o do agave. E simultaneamente expandia-se a população e a produção agropecuária para subsistência. Em meados do século XX o cultivo do agave tornou-se anti-econômico com o desenvolvimento de fibras artificiais para amarrar o feno nos países temperados e produzir cordas, substituindo o sisal, ou seja, a fibra do agave, pelo menor preço das cordas e cordões gerados pelas fibras artificiais. E o algodão enfrentaria a competição de fibras artificiais voltadas à tecelagem, bem como a disseminação da praga do bicudo, que anula a produção nas áreas atingidas. Resta a cultura de subsistência, com a exposição ao mercado do excedente conseguido. Mas a cultura de subsistência seria insuficiente para garantir condições de vida compatíveis com as de outras regiões, face a não acompanhar o ritmo de desenvolvimento econômico e correspondente expansão da renda per capita.

Nos anos 50 do século passado José Guimarães Duque (1953; 1964) pregou a necessidade de ocupar o semiárido com uma exploração adequada. Sua voz é a própria expressão do caminho de convivência com o semiárido que havia sido esquecida, substituída que fora pela bizarra ideia de “combate à seca”, como se os brasileiros pudessem minorar os fenômenos que a causam. A segunda grande seca dos anos 50, a de 1958, somou-se em seu efeito brutal, à acentuada erosão econômica causada no Nordeste pelo binário integração dos mercados internos e forte aumento dos preços de maquinaria e insumos industriais trazidos pelo forte subsídio à nova produção industrial, localizada no Sudeste, que terminou por trazer à região o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, a partir do qual foi criada a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE (ANDRADE, 1994).

A visão economicista da SUDENE, preocupada com a alta densidade ocupacional do semiárido, apontou como solução transferir camponeses nordestinos para a região do Alto Turi, no Maranhão. Não introduziu diretamente a questão da convivência com o semiárido, nem resolveu o problema da densidade populacional. A maioria dos relativamente poucos camponeses que foram, voltaram, atendendo ao chamado do sertão, quando volta a chover.

A SUDENE causou um grande impacto no litoral, principalmente nas três grandes capitais, onde seus efeitos de desenvolvimento econômico foram mais concentrados. Bastaram as duas primeiras décadas do funcionamento da SUDENE, conjuntamente com o Banco do Nordeste do Brasil – BNB, provendo subsídios e apoio ao investimento industrial para, apesar de concentrado nas três maiores regiões metropolitanas, reverter, para o Nordeste como um todo, a estabelecida expectativa de tendência à continuada perda relativa de renda per capita que havia se estabelecido nas décadas imediatas à sua criação. Era como se o problema da recorrente seca pudesse ser resolvido pelo desenvolvimento econômico.

Na virada do milênio, a situação de ignorar o direcionamento de convivência com a seca é patenteado como ainda estando em fase de proposição, na publicação, pela Fundaj, de “SEMI-ÁRIDO: proposta de convivência com a seca” (SUASSUNA, 2002). A distribuição da constituição dos solos, no que capacitam culturas convencionais ou apenas xerófilas, é tratada no texto, onde veladamente se desaconselha o cultivo de grãos exigentes de água, como milho e feijão, restritos a êxito em brejos de altitude e outras situações também de menor expressão no semiárido, os quais para estas áreas deviam ser incentivados. Mas a prática de incentivar através de financiamento e distribuição de sementes, onde a chance de falha de safra é grande, continua casada com a garantia, se houver perda, o que tem maior probabilidade de ocorrer do que a boa safra.

O atual momento flagra luta de várias instituições de continuada demanda por mudança de combate à seca para convivência com o semiárido (BISOL, 2013). Diz Pires (2013), analisando a história da ocupação do sertão pelo homem branco, portanto, algo que não se refere a nenhum governo em particular, algo que os transcende:

O estado brasileiro, os governos dos estados e os governos municipais, até hoje, nunca construíram um programa e um plano de prevenção, um plano que cuide e dê atenção à população, principalmente rural, para o período de estiagem, que é algo recorrente.

O baixo nível de educação populacional da sociedade brasileira, que é maximizado nas regiões equatoriais, é um obstáculo à difusão de inovações agropecuárias nessas regiões (DIAS; MEDEIROS, 2010). Esse obstáculo pode ser parcialmente compensado na direção de mudança para a instalação de uma cultura de convivência com a seca, se houver a adequada adoção de empenhada política pública Há esperança de que se esteja num momento histórico, de instalação de planos e ações que representem um caminhar na direção da convivência com a seca e, portanto, de Adaptação ao Aquecimento Global a qual pode ser fundada na colocação:


Vários espaços oficiais do Governo Federal e de Governos Estaduais estão determinados a construir processos de convivência com o Semiárido e a abandonar a carcomida política de combate à seca (BAPTISTA, 2013).

ANDRADE, Manoel Correia de (1994). Análise do semiárido nordestino e a visão da seca. Em: BACELAR, Tânia e outros, Orgs,. O GTDN: da Proposta à Realidade: ensaios sobre a questão regional. Recife: Editora Universitária da UFPE, p.114-124.
BAPTISTA, Naidison (2013). Prefácio. Em: GALINDO, Wedna (Org). Vozes da Conviência com o Semiárido. Recife, Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, pp, 8-15.
BISOL, Egídio (2013). Mudança de consciência para a convivência com o Semiárido. Em: GALINDO, Wedna (Org). Vozes da Conviência com o Semiárido. Recife, Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, pp, 76-82.
DUQUE, José Guimarães (1953). Solo e Água no Polígono das Sêcas. Fortaleza, Departamento Nacional de Obras contra as Sêcas, 3a ed.
DUQUE, José Guimarães (1964). O Nordeste e as Lavouras Xerófilas. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil.

PIRES, Alexandre (2013). Convivência com o Semiárido como diretriz para a vida na região. Em: GALINDO, Wedna (Org). Vozes da Conviência com o Semiárido. Recife, Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, pp, 83-87.

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